Por Roderick T. Long
[Traduzido por Gabriel Marculino, Retirado de https://praxeology.net/unblog01-06.htm#30, 23 de janeiro de 2006].
Eu posso estar errado sobre se você está com dor, mas eu não posso estar errado sobre se eu estou com dor.
Mas que tipo de fato é esse? Uma resposta natural – podemos chamá-la de resposta Cartesiana – é que é apenas uma propriedade básica, embora um tanto misteriosa, da consciência de si (self-awareness) que tem um tipo de infalibilidade luminosa que outras formas de consciência não tem.
Wittgenstein criticou famosamente a resposta Cartesiana. Penso que a crítica de Wittgenstein é correta – mas também penso que é facilmente mal entendida.
Deixe-me começar por definir o que eu acho que é a maneira errada de descrever a crítica Wittgensteiniana, porque colocar a interpretação errada na mesa acabará sendo útil na explicação da interpretação certa. Irei chamar o proponente da versão errada de “pseudo-Wittgensteiniano”.
Então o pseudo-Wittgensteiniano diz: Olhe, se você comprar a resposta Cartesiana, então você pensa que é algum tipo de descoberta que fizemos que podemos estar errados sobre a dor de outra pessoa mas não sobre nós mesmos. Mas não há fatos a serem descobertos aqui, separados de nossas convenções linguísticas. O significado de termos e frases como “minha dor”, “sua dor”, “erro”, e por aí vai é determinado por nossas regras – regras convencionais – para usá-las. E que é apenas um fato sobre nossas regras linguísticas que sentenças como “ela está com dor” pode ser respondida com “como você sabe?”, enquanto sentenças como “‘Eu’ estou com dor” não pode. Assim como as regras de xadrez determinam que mover um bispo na diagonal é um movimento admissível, mas mover uma torre diagonalmente não é, assim as regras do nosso jogo de linguagem determina que exigir seu conhecimento da dor do outro é um movimento significativo enquanto exigindo seu conhecimento de sua própria dor não é. Assim a alegada infalibilidade da consciência de si não é algum fato profundo sobre nossas próprias mentes; é apenas um artefato de nossas convenções linguísticas. E, portanto, não há necessidade disso; assim como podemos mudar as regras de xadrez para permitir uma torra se mover na diagonal, então podemos mudar as regras de nossos jogos de linguagem para construir (make) o acesso epistêmico a nossa própria dor falível, ou acesso epistêmico a dor do outro infalível, ou ambas.
Como eu disse, não acho que essa resposta é a resposta de Wittgenstein. Mas a resposta de Wittgenstein soa muito como essa resposta; então é fácil o ler enquanto dizendo que a infalibilidade da consciência de si é um fato sobre nossas convenções linguísticas ao invés de que sobre nossos estados mentais. Mas aqui é onde penso que a diferença se encontra. Considere: é realmente verdade que “podemos mudar as regras do xadrez para permitir uma torre se mover na diagonal?” Bem, depende do que você quer dizer por “torre”. Se você quer dizer aquela coisinha de madeira ou plástico que parece uma torre, então certamente, podemos construir quaisquer regras que quisermos sobre como isso deve se mover. Podemos jogar damas ao invés de xadrez com ela; podemos até mesmo lançar a torre, nesse sentido de “torre”, para frente e para trás através de uma rede, ou bater nela com um graveto, se estamos assim inclinados. Mas, se por “torre”, você ao invés disso quer dizer algo definido em termos das (correntes) regras de xadrez, então nada conta como uma torre exceto, de certo modo, como é movido em concordância com essas regras.
Analogamente: é claro que podemos significar o que quisermos com palavras como “dor” e “meu” – i.e, por aqueles sons audíveis ou aquelas marcas visíveis. Podemos usar “dor” querendo dizer “bolo de chocolate” ou “os Britânicos estão chegando!”. Nesse sentido, as palavras são como peças de xadrez entendidas como coisinhas de madeira ou plástico. Mas é claro que se fizéssemos isso, estaríamos mudando o que palavras significam, e não é surpresa que nossas convenções linguística determinam o que nossas palavras significam.
Agora quando o pseudo-Wittgensteiniano diz que é uma questão de convenção linguística se nosso acesso a dor é infalível, ela certamente não está querendo fazer meramente a observação totalmente chata de que é uma questão de convenção linguística se a palavra “dor – o som ou marca – se refere a algo que temos acesso epistêmico infalível, i.e, que é uma questão de convenção o que “dor” significa”. Pois o Cartesiano nunca sonhou em negar algo tão óbvio. O que pseudo-Wittgensteiniano deve querer dizer é que a palavra “dor”, significa o que significa [meaning what it means], é apenas convencionalmente associada com certeza – assim que uma mudança em nossas convenções linguísticas poderia fazer com que o nosso acesso epistêmico a nossa própria dor não é mais infalível, sem mudar o significado da palavra “dor” (ou a palavra “infalível”, ou qualquer outra das palavras envolvidas).
A real abordagem de Wittgenstein, como eu o li, tem em comum com a abordagem pseudo-Wittgensteiniana um ênfase a respeito do fato de que nossas regras linguísticas simplesmente não permitem qualquer coisa contando como uma exigência [challenge] para nossa consciência de nossa própria dor. Mas o desfecho condena tanto o Cartesiano e o pseudo-Wittgensteiniano do mesmo erro: ambos estão assumindo implicitamente que tal exigência poderia fazer sentido. O Cartesiano trata nosso acesso infalível à nossa própria dor como uma descoberta maravilhosa sobre nossas mentes, como se pudéssemos ao invés disso descobrir o oposto; o pseudo-Wittgensteiniano trata tal acesso como algo representado [rendered] verdadeiro por nossas convenções linguísticas, como se nossas convenções pudessem tê-lo representado falso. E então tanto o Cartesiano e o pseudo-Wittgensteiniano vê a incorrigibilidade da dor como fundada [grounded] em algo (se em nossos jogos de linguagem ou na natureza metafísica da dor em si mesma) que a explica e a assegura — algo x tal que, mas para esse x, dor não deve ser incorrigível. Mas o ponto de Wittgenstein é que uma vez que – dado o que “dor” significa em nosso jogo de linguagem – nenhum sentido foi atribuído a expressões como “Eu não tenho certeza se estou com dor”, segue-se que tal x não é ou necessário ou possível; a incorrigibilidade da dor não requer explicação ou fundamentação. (Aqueles que leram meu anti-psychologism paper reconhecerão que estou oferecendo outra descrição “sem trilho” aqui).
Alguém pode objetar: “olhe, sabemos que “eu” estou com dor’ significa, e sabemos o que ‘eu não sei se …’ significa, assim como a expressão combinada ‘Eu não sei se eu estou com dor’ fracassa em ter um significado?”. A resposta aqui é que Wittgenstein aceita o Princípio de Contexto: o que uma palavra significa depende sobre o significado da sentença no qual ela aparece. Apenas porque “irritado” tem um significado na sentença “Escutar o Presidente Bush me deixa irritado”, não se segue que ela tem um significado em “Vamos irritar uma pastinaca”. Igualmente, só porque as palavras “saber” e “dor” fazem sentido em uma sentença como “Eu não sei se Eric está realmente com dor ou apenas fingindo”, não se segue que elas ainda fazem sentido em uma sentença como “Eu não sei se eu estou com dor”.
(Eu deveria notar que embora Wittgenstein pensa que podemos estar errados sobre se outra pessoa está com dor, ele pensa que não faz sentido supor que estamos errando consistentemente sobre a dor de outros. Analogamente, embora podemos acidentalmente fazer movimentos ilegais no xadrez, não faz sentido supor que todos ou a maioria dos movimentos de xadrez já feitos foram acidentalmente ilegais – porque a prática do xadrez define o que é legal. Mas essa é uma história diferente que não precisamos entrar agora.
Eu penso que tudo isso é relevante para a ética. Como assim? Bem, apenas nós aplicamos o termo “bom” para coisas que aprovamos ou endossamos. Isso pode significar, como Platão talvez pensou, que a bondade é uma propriedade com um domínio misterioso sobre nossa vontade, tal que não podemos reconhecer que algo é bom sem portanto ser movido à endossá-la. (J. L. Mackie, em seu livro Ethics, Inventing Right and Wrong, mesmo usando essa ideia como um argumento para o ceticismo moral: se as propriedades morais existissem, elas teriam que ser muitos estranhas, mas não temos razão para acreditar em tal estranheza poderosa, assim não temos razão para acreditar que existem quaisquer propriedades morais). Ou se pode resistir a essa visão por insistir que a alegada atratividade da bondade é simplesmente redutível às regras convencionais da linguagem que não chamamos algo bom a menos que nós a endossamos.
Bem, é verdadeiro que é uma questão de convenção linguística que a palavra “bom” se refere a algo endossado; depois de tudo, é uma questão de convenção linguística que a palavra “bom” significa absolutamente nada. Mas dado o que a palavra significa, não é uma questão de convenção que ver o bom é endossar o bom. E que o grão da verdade na visão Platônica; mas o erro de Platão se encontra no pensar da atratividade da bondade como fundada na natureza metafísica da bondade, quando não é fundada em absolutamente nada. (É claro, se você quiser chamar essa falta de fundamento “a natureza metafísica da bondade”, sinta-se livre, mas tenha cuidado para não confundir esse tipo de metafísica com outra).
Isso elimina o ceticismo moral? Não necessariamente. Mas penso que isso mostra que não é uma opção para o cético moral sugerir que todos os nossos julgamentos morais são ou podem ser falsos; em vez disso, o cético tem que arcar com o fardo de argumentar que nossos conceitos morais não, ou não podem, fazer sentido. (Idem para a dor; na verdade, penso que a melhor maneira de entender, e.g, a rejeição Cientista Cristã da realidade da dor é tomar como reivindicando que nossas auto-imputações [self-ascriptions] da dor são falsas, mas sim que eles não podem ter um sentido coerente e, portanto, nem chegam ao nível de serem verdadeiros ou falsos). Mas eu ainda tenho que ver um argumento persuasivo do cético moral para esse efeito. E se nossos conceitos morais fazem sentido, não pode haver qualquer questão além sobre se elas se aplicam à realidade. As regras que dão termos morais seu sentido apenas são as regras para aplicá-las à realidade.