Pós-mordenismo e Descontentamento Academico

Tempo de Leitura: 16 minutos

Por Paul Gottfried

[Tradução de Postmodernism and Academic Discontents por Ragash, retirado de Academic Questions, Vol. 9, N.° 3 (1996)]

Nota do Editor: O declinio do ensino superior Americano é geralmente atribuído à institucionalização de ideologias que impulsionaram a revolução contracultural de 1960. Mas a procedência dessas ideologias está em questão. Em uma crítica de livro na edição do inverno de 1994-5 da Academic Questions, David H. Hirsch sugeriu a dependência dos radicais pós-Vietnã no filosofar de Martin Heidegger e nos anti-humanistas franceses cujas crenças “não podem ser dissociadas de Auschwitz”. Este ensaio contesta essa afirmação. Então caluniar Heidegger, diz Paul Gottfried, da a ele muito crédito. Os editores da AQ dão boas vindas a perspectiva do professor Gottfried sobre as origens do nosso mal-estar. Apresentamos suas críticas a David Hirsch, cuja resposta a Gottfried segue este artigo.

Ao longo dos anos, a Academic Questions combinou defesas uteis de liberdade académica e discursos racionais com visões sobre o pós-modernismo que merecem atenção critica. Por causa de seu indisputável valor na guerra contra a intolerância, parece necessário apontar onde essa publicação pode ter se equivocado. O mais preocupante para mim é a ligação questionável de Martin Heidegger ao multiculturalismo sendo celebrado em nossas universidades. A crítica de David Hirsch (inverno de 1994-95) de Heidegger and Criticism, de William Spanos, ilustra esse problema. Os comentários de Hirsch pertencem a um resumo amargo que também pode ser encontrado em The Closing of the American Mind, de Allan Bloom. Segundo Bloom (e Hirsch), o radicalismo estudantil nos anos sessenta e outras expressões mais recentes da barbárie cultural são produções de uma “conceção alemã”. Apesar dos intensos esforços para “educar” os alemães em “nossos princípios” de igualdade democrática e direitos humanos, essa nação, felizmente derrotada em duas guerras mundiais, vingou-se. Infectou nossas universidades graças a Nietzsche e Heidegger, alemães da direita anti-democrática que atacaram a razão e ajudaram a criar um novo radicalismo. A guerra presente sobre padrões racionais e discursos coerentes, insiste Bloom, carrega um cheiro de fascista. Alemães distintamente inimigos da democracia e do racionalismo descencadearam o niilismo cultural agora associado com a esquerda desconstrucionista.

O resumo de Bloom sofre de apriorismo excessivo. Assume bem dogmaticamente aqueles dois dos pesadelos de Bloom, críticos alemães da democracia liberal e radicais acadêmicos, podem ser combinados em uma única demonologia. Esse argumento, nunca demonstrado, é sugerido de uma maneira pelo qual a retorica irada é feita para substituir uma conexão documentada. Tendo convivido com a educação igualitária, fanáticas feministas, e reformistas multiculturais durante três décadas, é difícil para mim lembrar uma única conversa com qualquer um deles sobre Heidegger ou Nietzsche. Os autores mencionados favoravelmente por esses colegas foram Karl Marx, John Dewey, Gloria Steinem, e outros identificados com seus próprios esforços para erradicar as distinções sociais e de gênero. Seria utíl, do ponto de vista do resumo de Bloom e de Hirsch, se Donna Shalala tivesse lido atentamente Sein und Zeit antes de impor cotas minoritárias na Universidade de Wisconsin. Também poderia corroborar certas acusações “humanistas” se os desconstrucionistas se aproximassem explicitamente daa “conexão alemã” em suas queixas sobre o imperialismo cultural masculino branco ocidental. No mundo real nada disso está acontecendo. Em vez disso, vemos igualitaristas académicos recorrendo a teóricos igualitários para justificar as suas ações e atitudes. Os pós-modernistas europeus que reinam em nossas universidades, admite Hirsch, são francêses da esquerda radical. Longe de serem nazistas antissemitas, alguns, como Jacques Derrida, são inegavelmente judeus; e todos estes pós-modernistas professam tanta crença na democracia quanto David Hirsch. Nem o misógino Nietzsche nem o organicista social Heidegger desfrutam de um favor especial entre os desconstrucionistas americanos. Os nomes que costumam louvar pertencem aos autoproclamados esquerdistas, Derrida, Michel Foucault, Jean-François Lyotard, Jacques Lacan e Roland Barthes. Eles também falam bem de Walt Whitman, um dos poetas que Hirsch reclama que nossas faculdades ignoram. Hirsch faria bem em olhar para as dissertações espalhadas sobre Whitman ou a biografia brilhante de Justin Kaplan desse panteísta “homossexual”. Em contraste, os admiradores acadêmicos de Heidegger que conheço – o falecido William Barrett, Quentin Lauer, S.J., Michael Gelven e o historiador da filosofia alemã Gerhard Spiegler – são (ou eram) patriotas americanos. Hirsch pode ter sua própria lista de heideggerianos antiamericanos, mas em sua crítica não cita nomes, exceto o de Spanos.

Diante de realidades complexas, ele constrói seu caso contra um alvo favorito de Allan Bloom, as inclinações direitistas dos pós-modernistas que fingem ser de esquerda: “Embora William Spanos seja velho demais para ser um dos ‘jovens americanistas’ envolvidos no esforço concertado para revisar o cânone, ou onde eles não podem revisá-lo para interpretá-lo fora de existência, ele, no entanto, identifica-se com uma geração de teóricos literários americanos que podem ser descritos como inclinados à esquerda sob a inspiração da extrema direita.” O argumento de que a esquerda academia americana foi colonizada pela direita alemã, através dos pós-modernistas franceses, é provocativo, porém duvidoso. Para mim também é contraintuitivo, já que eu nunca encontrei as linhas de batalha das quais Hirsch se refere. Spanos afirma, e Hirsch pode concordar, que os “intelectuais de oposição” da américa escolheram Heidegger em detrimento de Kant e do humanismo ético. Minha dúvida é, por que eu não vi a prova dessa luta cósmica entre heideggerianos de direita e seus críticos humanistas em menor número? Certamente Hirsch não está demonizando o heideggeriano Barrett, a quem ele descreve como alguém com “um senso de pespectiva”. Como outros heideggerianos americanos de meu conhecimento, Barrett apreciava a filosofia alemã e admirava tanto Kant quanto Heidegger. Neste caso tertium datur, existe uma outra possibilidade. Pode-se respeitar igualmente Kant e Heidegger por suas contribuições intelectuais sem ter que fazer uma escolha ideológica que Hirsch insiste.

A crítica do livro de Spanos, além disso, não prova o caso de Hirsch. Do fracasso de Spanos em lidar criticamente com o antisemitismo de Pound e Eliot em seu livro sobre estética modernista, Hirsch infere que Spanos precisa ser da extrema direita: “[E]le estava muito confortavel com políticas reacionárias e, em muitos casos, fascistas poetas e ensaístas modernistas.” Nada disso pode ser inferido justificadamente dos estudos de Spanos em meados dos anos sententa, pelo menos como apresentado por Hirsch. Não há razão para pensar que o Spanos atuou como facista enrustido ao deixar de denunciar a política de Eliot ou Pound. Tampouco é mostrado que Spanos começou a se tornar um fascista desonesto porque denunciou a participação Americana na Guerra do Vietnã. Hirsch pode ser capaz de demonstrar todas essas acusações, mas não a partir de suas associações altamente conjecturais.

Ele enfraquece ainda mais o seu caso exagerando os pecados daqueles que ele liga a Spanos. Em nenhum lugar de seu volumoso estudo, pelo qual eu tenho percorrido arduamente, o “historiador revisionista” alemão Ernst Nolte, “transforma o vitimizador [nazista] em vítima” ao buscar “recontextualizar o genocídio nazista”. Em um ensaio crítica na Society (julho/agosto de 1993), eu explico o real erro de Nolte, interpretando mal o carater sui generis do “fascismo alemão”. Ele descuidadosamente compra a convicção da frente popular dos anos de 1930, que todos fascismos estão relacionados e são igualmente virulentos. Nolte também exagera as obsessões anticomunistas da direita nacionalista entre as duas guerras. Ele procura uma fixação muitas vezes que não existe sobre o terror soviético entre aqueles que apoiaram os nazistas ou, como Heidegger, tentaram se beneficiar deles. No entanto, ambas as posições interpretativas eram amigáveis aos estudiosos da democracia liberal nos anos sessenta e setenta, quando Nolte era visto como um anti-fascista com tendências social-democratas e se tornou um estudioso residente na Universidade Hebraica. Sua recontextualização da era nazista toma emprestado de seu pensamento anterior, que sublinha a unidade do movimento fascista dentro de um determinado período de tempo. Nolte tambem incorpora outras teorias interpretativas que não tem linhagem fascista concebível, exemplo, visões sobre a natureza isomórfica do totalitarismo soviético e nazista, que se origina com Franz Borkenau, Hannah Arendt, e outros membros da esquerda democrática anti-stalinista. Quanto ao comentário de Nolte sobre “manter a culpa alemã”, parece que Hirsch tem em mente um artigo op-ed que apareceu na Frankfurter Allgemeine Zeitung em 1986, “The Past That Will Not Go Away”. Aqui Nolte levanta a acusação de que aqueles que não gostam dos alemães os mantêm em um estado permanente de ansiedade ricularizando seu passado. Sua reclamação é geralmente correta, mas o período nazista é o ponto menos promissor para assumir essa posição revisionista. É de fato aquele caso de desumanidade que pode ser usado para enegrecer tudo na história alemã. Mas Hirsch está errado ao manter “a honra de conduzir uma campanha de genocídio obsessiva e implacável contra um ‘inimigo’ pacifico e indefeso pertence apenas ao nazismo”. Embora aplicar tal julgamento à guerra do Vietnã sja tão grotesco quanto Hirsch sugere, os nazistas não foram os únicos culpados de genocídio deliberado. Os antigos assírios e hititas se gabavam de cometer o mesmo ato; Robert Conquest passou grande parte da sua vida documentando os atos genocida da Rússia Soviética.

Precisa-se perguntar que medidas Hirsch tomaria para impor seu humanismo democrático no ensino do “cânone”, um termo até recentemente reservado para textos bíblicos. Visto que Hirsch espera que os interpretes da estética modernista culpem Eliot por políticas reacionárias e antissemitismo cultural, pode-se perguntar o que deve ser feito em outras situações de aprendizado semelhantes. Por exemplo, Hirsch exigiria que um professor mencionasse que Tomas de Aquino acusou os judeus de de terem disposições usurarias? Um professor é moralmente obrigado a discutir essa acusação, na carta de Tomas de Aquino a Duquesa de Brabant, antes de poder dar uma palestra sobre as cinco provas da existência de Deus? Além disso, a mesma sensibilidade humanista deve ser forçada no departamento Judaica de Hirsch em Brown? Os professores de lá deveriam pedir desculpas publicas sobre as atitudes rabínicas em relação aos negros, conforme expresso no tratado Sinédrio? Lá os antigos rabinos falaram sobre a maldição hamítica ligada aos Cushim e em outros lugares tinham coisas desfavoraveis a dizer sobre os gentios em geral. Nos devemos manter esses rabinos com as mesmas regras que Hirsch aplicou aos modernistas antissemitas? Embora eu pessoalmente renunciasse a esse exercício sombrio, pode haver valor heurístico em ver quão longe pode se estender essa exigência de condenar visões intolerantes. Essas condenações devem ser emitidas a todos igualmente, ou apenas quando visões intolerantes são diretamente contra o grupo de Hirsch?

Em The Deconstruction of Literature: Criticism after Auschwitz (Hanôver e Londres: Brown University Press, 1991), Hirsch teme que “A hegemonia franco-germânica” agora “eclipse” o “humanismo construtivo e gentil de Matthew Arnold”. Embora ele note de passagem suas “vulnerabilidades” e “superficialidade”, Hirsch nos lembra que “o humanismo arnoldiano não levou, como fez a profunda reflexão heideggeriana, aos campos de extermínio”. Pode não ser o suficiente nesse caso admitir a premissa não comprovada de que a reflexão heideggeriana de alguma forma produziu Auschwitz. Hirsch quer que vamos mais adiante, como um ato de engajamento, e aceitemos as nobres mentiras como prova da intenção humanista democrática. Se Arnold é superficial, por que nos deveríamos lamentar o fato das pessoas notarem? E, em todo caso, seu humanismo, como Hirsch sustenta, é o único baluarte educacional que se opõem à “ideologia de Auschwitz”? Vamos refletir mais sobre essas afirmações. Todos precisamos, para agradar Hirsch, aceitar a imagem da herança ocidental, como apresentada por Arnold, como uma fusão de hebraísmo e helenismo? Observe que Arnold aqui esteve falando sobre tipos humanos e não sobre uma teoria da civilização

A partir dessa imagem arnoldiana favorecida por Hirsch, nos precisamos então prosseguir para a suposição que a fusão clássico-hebraica foi primeiro “rompida” por Heidegger. De novo o problema é de simplificação excessiva. A ruptura da qual Hirsch reclama não começou com Heidegger ou com Nietzsche. Apelos favoraveis ao paganismo contra o cristianismo já podem ser encontrados em Maquiavel, Gibbon e Voltaire. É igualmente presente nos humanistas democráticos judeus Moses Hadas e Peter Gay. Ambos afirmam que a democracia moderna e o racionalismo ético tem um ponto de origem clássico, ainda que não cristão. Esse argumento, embora equivocado na minha opinião, nada deve a Nietzsche ou Heidegger.

Ao contrário de uma ideia fixa no livro de Hirsch e em seu ensaio crítico, Heidegger tem poucos defensores na academia americana. Exatamente como poucos se tornaram aparente quando Heidegger and the Nazis, de Victor Farias, apareceu em 1987. A ligação de Farias da filosofia heideggeriana e Martin Heidegger à desumanidade nazista recebeu o endosso acrítico da New York Review of Books, Commentary, a New York Times Book Review, e The New Republic. Minha própria crítica, na Telos, observou duas circunstâncias conectadas a esse sucesso de publicação. Um, Farias havia reprisado meias, ou mesmo não verdades, que Francois Fedier tinha analisado em “Trois attaques contre Heidegger”. A refutação detalhada de Fedier, das acusações contra seu tema, que remontava aos anos cinquenta e o início dos anos sessenta, saiu na Critique em 1966. Dois, o ataque de Farias contra Heidegger funcionou extremamente bem na comunidade intelectual americana, apesar de suas afirmações não demonstradas. Dado o clima intelectual atual, que Hirsch reflete, é difícil chamar atenção critica para as fraquezas da apresentação de Farias. Académicos e jornalistas encerram o debate sobre a questão de Heidegger por causa de sua hostilidade em relação às ideias alemãs não esquerdistas.

Quase todos os ataques recentes contra Heidegger falha em levar a sério a contraprova na refutação de  Fedier ou o que Heiddeger havia dito em sua própria defesa em uma longa entrevista com Der Spiegel (7 de Março de 1966). Essa contraprova não absolve Heidegger inteiramente por seus gestos em relação ao Terceiro Reich, mas levanta questões sobre a natureza abrangente das acusações contra ele. As tentativas de ler a decisão de Heidegger de se juntar ao Partido Nazista nos seus escritos dos anos de 1920, particularmente Sein un Zeit (1927) e Vom Wesen des Grundes (1929), permanecem metodologicamente questionáveis. O fato que Heidegger ter feito essas ligações em 1933 não promove a argumentação de Farias. Nessa altura, Heidegger estava tentando se vender aos nazistas, um empreendimento que falhou claramente: não foi ele, mas seu sucessor em Freiburg, que os nazistas descreveram em 1934 como o primeiro reitor nazista de verdade. Quanto a alegada crueldade de heidegger para com seu mentor judeu Edmund Husserl, a quem uma universidade nazificada empurrou para a aposentadoria precoce, a estudante judia de Heidegger, Hannah Arendt, logo deu atenção a esse ponto em 1952. Aparentemente Heidegger tratou Husserl com respeito e não proibiu ele de usar as instalações da faculdade depois que Heidegger entrou no Partido Nazista. A proibição de permitir que os judeus fizessem pesquisas em Freiburg e outras universidades alemãs, como Fedier aponta, só entrou em vigor em 1935, um ano após a renuncia forçada de Heidegger da reitoria. Apesar de suas diferenças filosóficas cada vez mais profundas desde o final dos anos vinte, Heidegger dedicou a edição de 1936 de Sein und Zeit, bem como a primeira, a seu antigo patrono Husserl.

Outra alegação sobre Heidegger, que ainda aprece em diatribe, incluindo a de Hirsch, diz respeito ao seu antissemitismo na década de 1920. A demonstração pretendida geralmente se concentra no testemunho da viúva de Ernst Cassierer, Toni, ou mais especificamente nas memorias de Frau Cassirer, Aus meinem Leben mit Ernst Cassirer, publicada em 1950. Em matéria de um famoso debate sobre o Iluminismo realizado na na cidade suiça de Davos, em 1929, entre seu marido e Heidegger, Toni Cassirer faz acidas observações: “As inclinações antissemitas dele [de Heidegger] já era conhecida por nós”. A transcrição desse debate, dada em tradução para o inglês em The Existentialist Tradition (Nova York: Doubleday, 1971), não mostra um traço de antissemitismo. Muito pelo contrário, ambos os oradores se comportam com civilidade exemplar, e o alto tom de sua discussão atraiu comentários favoráveis de, entre outros, Leo Strauss e Hannah Arendt. O que torna esse tom ainda mais notável, explica Ernst Nolte em sua biografia de Heidegger em 1993, e que os dois homens tinham acabado de concorrer ao mesmo posto na Universidade de Berlin. Apesar de sua rivalidade profissional e visões opostas sobre a tradição racionalista, não há amargura perceptível em sua troca, ao contrário das reminiscências enviesadas pós-guerra de Toni Cassirer.

Um marco do baixo estado em que caíram essas discuções sobre Heidegger é como Hirsch trata a críticia de Richard Rorty do Heidegger and the Nazis publicado em The New Republic (11 de abril de 1988). De acordo com a leitura de Hirsch em The Deconstruction of Literature, o esquerdista desconstrucionistas Rorty “apresenta uma defesa espirituosa, mas em última análise, chocante do nazismo”. “Rorty parece disposto a destruir a filosofia para salvar Heidegger”. Na crítica de Richard Rorty que eu li, nada disso era facilmente dedutível. Embora Rorty ache que Heidegger foi “um filosofo original”, ele concorda com Farias, como Hirsch nos deixa saber, que “Heidegger foi um trabalho bastante desagradável – um covarde e um mentiroso, praticamente do começo ao fim”. Hirsch está aborrecido porque Rorty separa a capacidade de insight filosófico da questão do carater. Dificilmente uma defesa ao nazismo, tal perceção é uma que qualquer estudioso maduro necessariamente faria. Deus ou o Destino não escolhem, ao conceder presentes, apenas aqueles que são santos ou humanistas democráticos reconhecidos.

Hirsch também não nota a credulidade de Rorty diante do retrato sinistro de Farias. Rorty oferece a opinião que “Hitler e Heidegger tinha muitas coisas em comum: retórica de sangue e solo, antissemitismo, autoengano”. Também nos dizem que Heidegger era um “egomaniaco autoenganado” e que seu exemplo é importante porque tipifica o comportamento da “vasta maioria dos académicos alemães”, e particularmente “a atitude dos intelectuais alemães em relação ao Holocausto”. Rorty tem muito a dizer sobre os pecados alemães e heideggerianos, e ele declara que nossa decisão moral agora é entre Heidegger e a “tolerância pluralista” apresentada pelo amigo socialista de Rorty, John Rawls. Tendo lido tais observações com doloroso cuidado, parece que nos estamos olhando para um estudo desleixado expressado em clichês liberais de esquerda. A grande maioria dos académicos alemães estavam cientes do Holocausto? O fracasso deles em opor-se a remoção dos colegas judeus foi um ato de prova? — ou muitos estavam simplesmente com medo de antagonizar os supervisores nazistas das universidades alemãs?  Tendo observado a covardia de colegas acadêmicos diante de muito menos coerção, estou disposto a moderar minhas condenações daqueles que se submetem a regimes terroristas. Mas Rorty nunca faz essas perguntas antes de correr para generalizar. Tampouco dá a menor indicação de trabalhar no livro de Farias. Sua crítica é certamente chocante, mas não como uma “defesa do nazismo”.

Nenhuma mente séria poderia acreditar que Heidegger fosse consistentemente moral ou comportava-se de uma maneira com princípios para com os nazistas. Ele era uma pessoa profundamente imperfeita, e seu discurso na reitoria em Freiburg em 27 de maio de 1933, Die Selbstbehauptung der deutschen Universitaet, foi, seja o que for, um ato de submissão aos nazistas. Heidegger revelou seu lado ruim novamente quando ele denunciou aos oficias nazistas sobre outros professores. Como notou um de seus mais fervorosos críticos, Hugo Ott, ele acusava seus colegas devotadamente católicos bem como seus colegas judeus e socialistas, de serem insuficientemente leais a nova ordem. Nada disso forma um quadro bonito, mas não tão extravagante quanto o formado por alguns dos militantes detratores de Heidegger.  Embora eu seja um admirador de seu trabalho dos anos de 1920, eu também admitiria que há muito na ontologia de Heidegger que exige comentários críticos. Interpretes de Karl Loewith a Stanleu Rosen escrevem provocativas críticas de sua filosofia, e, ao contrário das “revelações” recentes sobre seu nazismo oculto, elas são contribuições valiosas para um debate. O livro de Rosen é particularmente instrutivo como uma critica desapaixonada. Apesar de sua hermenêutica e inclinações straussianas, Rosen segue Heidegger inteiramente em questões textuais. Ele evita o tipo de recuctio ad Hitlerum que estraga outras discussões sobre o mesmo assunto

Mas mesmo que Heidegger fosse tão censurável quanto Victor Farias e David Hirsch acreditam, ainda não está claro que seus atos malignos corroeram as universidades americanas. Uma premissa subjacente de Hirsch e do straussiano Allan Bloom é que nossa educação superior sofreu ao se afastar do iluminismo. O problema com essa acusação é de identidade e definição. O que exatamente queremos dizer com o legado do Iluminismo? Amplamente compreendido, tal herança abrange os desconstrucionistas quanto seus críticos neoconservadores. Cada lado apela à igualdade democrática e aos direitos humanos, que identificam mais ou menos com a Era da Razão. Mas os desconstrucionistas também estão preocupados sobre a falta de entusiasmo da missão igualitária ocidental. Do ponto de vista deles, não fomos suficientemente longe no nivelamento das estruturas hegemónicas. Permitimos que preconceitos culturais e hábitos de linguagem nos impedissem de praticar a verdadeira inclusividade democrática. Significativamente, o Iluminismo também tinha um lado não-esquerdista que seus atuais apóstolos preferem desconsiderar. Alimentou movimentos e impulsos que Hirsch e os desconstrucinistas rejeitarariam com prazer, do racialismo ciêntifico ao neopaganismo voltairiano de Nietzsche. É duvidoso que todo o Iluminismo europeu possa ser resumido em genealogias “humanisticas”. Ao contrário dos desconstrucionistas, muitos do outro lado defendem a Era da Razão simplificando demais seus ensinamentos.

Ainda sim, não há necessidade de procurar causas distantes para o que pode ter surgido em nossa cultura. A mentalidade da Segunda Guerra Mundial, que produziu uma ênfase excessiva na “conexão alemã”, pode ter gerado uma segunda obsessão: o que o G.I. Bill introduziu em 1946 representa o começo de um mandato nacional contínuo. Meus colegas mais velhos ainda se lembram com carinho como eles ou seus pais tiveram a chance de obter diplomas universitários por causa dos subsídios governamentais do pós-guerra. Judeus da Europa Oriental e católicos étnicos subiram na escada socioeconomica com a ajuda dessa política. As boas memorias de ambos sobre a administração de Truman podem estar ligadas a essa oportunidade de mobilidade social. Outro resultado dp G.I Bill foi o crescimento de universidades como negócios. O súbito aumento de matrículas de alunos e de cargos de professores e administrativos transformou o cenário académico, processo discutido em um estudo sobre a deterioração do ensino superior americano publicado em 1993 por Thomas Sowell. Se o G.I. Bill é visto como tendo melhorado os status social daquelas que agora estão em empregos universitários, espera-se que os subsídios adicionados direcionados aos mesmos objetivos possam trazes mais benefícios sociais. Os bolsos dos professores e os bens públicos podem ser atendidos, dizem-nos, pela educação daqueles que estão em desvantagem.

Infelizmente para essa fé, não há suprimento infinito de estudantes dignos esperando por assistência. Com mais de 50% de nossos graduados no ensino médio indo para a faculdade, como relatado na Statistical Abstract of the U.S., estamos recutranto para o ensino superior mais estudantes do que deveriamos. Até agora, a maioria dos graduados no ensino medio, de acordo com Seymour Itzkoff, do Smith College, não possui tanta compreensão de leitura quanto habilidades matemáticas que eles deveriam ter adquirido no ensino fundamental. Em um relatório amplamente divulgado sobre os graduados do ensino médio em Jersey City, publicado em 1992, a evidencia de inépcia torna-se muito clara. Apenas 7% dos graduados brancos e 1% dos negros, quanto testados, exibiram uma compreensão de leitura e conhecimento matemático de um aluno competente da sétima série. Pode-se presumir que cerca de metade desses alunos abaixo do padrão irão para a faculdade. Essa decisão será deles – e não de educadores determinados a manter padrões nacionais uniformes. Aqueles matriculados na faculdade quase inevitavelmente se formarão em quaisquer instituições que frequentem. O U.S. Almanac de 1994 indica que 45% dos graduados no ensino médio receberão bacharelado. Na faculdade, aqueles que “o sistema falhou” serão encorajados a frequentar aulas de reforço e podem ter uma “dificuldade de aprendizado” conferida a eles antes que notas baixas forcem eles a saírem. Esta última medida não pode ser necessária, dada a inflação de notas nas nossas faculdades e dada a insistência dos administradores de que as faculdades deveriam praticar a “sensibilidade”. Os alunos pobres são imaginados como sofrendo de “síndrome de déficit de atenção”, e uma reconsideração das notas deles e do ambiente de aprendizado é muitas vezes forçada pelos administradores.

Um fato ainda mais desconcertante é que muitos dos nossos graduados no ensino superior não tem a inteligência geral para um trabalho sério de faculdade. “Sério” é o termo operacional aqui, destinado a excluir aqueles cursos que atraem estudantes marginais. O nível de inteligência geral requerido para o trabalho de faculdade, de acordo com Richard Herrnstein e Charles Murray, é por volta de 110; na década de 1950, entretanto, foi estipulado 120. O QI médio para americanos brancos agora está em torno de 100, para americanos negros é em torno de 85, e para hispânico e americanos nativos em algum lugar no meio. Grande parte da nossa população universitária caiu em uma faixa cognitiva mediana e deve achar difícil dominar cálculo, línguas estrangeiras ou química orgânica. Alguns estudantes podem superar esses limites intelectuais pelo trabalho duro, mas, no mercado de compradores educacionais de hoje, esses esforços podem não ser mais necessários. O “ensino superior” tornou-se um direito, um direito civil, e um negócio extremamente gordo. Além disso, faculdades completas são vistas como socialmente uteis. Elas mantêm os adolescentes rebeldes longe das ruas ou fora da casa dos pais, enquanto o mercado de trabalho pode funcionar sem muitos candidatos jovens. Por causa dessas circunstâncias, nos americanos, armazenamos mais da metade de nossos graduados do ensino médio por pelo menos quatro anos.

Essa imagem do ensino superior americano me parece muito precisa. Eu complementaria com a descoberta de conservadores académicos e outros que criticaram a ação afirmativa. Há de fato uma corelação notável, observado por Lino Graglia da Faculdade de Direito da Universidade do Texas, entre a pressão do governo para favorecer as minorias e o jargão multicultural na academia. O último torna-se frenético em qualquer universidade que seja forcada a passar pela primeira. As administrações e, finalmente, os docentes tentarão justificar a política social imposta enfatizando novas sensibilidades e novos modos de aprender. Mas, como o comentarista socialista, Russell Jacoby, nota com convicção em Dogmatic Wisdom (Nova York: Doubleday, 1994), escolas particulares também se degradaram pela busca cínica da motivação do lucro. Os substitutos multiculturais e terapêuticos da educação proporcionam uma “experiencia universitária”; e, em um mercado de recrutamento difícil, administradores de faculdade e professores estão preocupados com sua colheita de estudantes e mensalidades. Assim como a racionalização terapêutica da incopentência, falar sobre diversidade pode ajudar a explicar a falta de aprendizagem de habilidades ou a inabilidade dos estudantes de engajar em um discurso racional.

Mas nada disso tem muito a ver com a critica de Heidegger ao racionalismos e universais abstratos ou com a vontade de poder de Nietzsche. O que está sendo descrito são justificativas precárias para o marketing de uma experiência universitária desvalorizada. Nessa desvalorização, duvido que qualquer culpa significativa possa ser atribuída até mesmo aos descontrucionistas de esquerda que Hirsch gosta de descrever como Heideggerianos. Por uma coisa, Barthes e Derrida não lançaram luz sobre o comportamento de meus próprios colegas do passado e do presente. Suas perguntas profissionais são descaradamente não-filosóficas. Ao contrário de Hirsch e Derrida, esses professores sofrem com o recrutamento e a retenção de estudantes. Eles são a prova viva da observação cáustica de Bertolt Brecht: “Erst kommt das Essen und dann das Philosophieren!” (Primeiro vem a comida e depois o filosofar!) Eles injetariam lítio em seus estudantes para obter melhores avaliações.

Concentrar-se nos pós-modernistas também desvia a atenção do sonho americano peculiarmente impossível do “ensino superior” para todos. Essa visão hipnotizou educadores americanos a um grau que chocaria qualquer socialista do Velho Mundo. Apenas no Novo Mundo continuamos sonhando o sonho de Mortimer Adler, de que a todos possa ser dado uma porção proporcional de paedeia humanística. Desnecessário dizer, que a ganância institucional e pessoal abasteceu a paixão igualitária — de onde procedeu a inevitável degradação dos cursos de artes liberais. Mas entender esses problemas não nos obriga a procurar por males estrangeiros. O fardo da história alemã é pesado o suficiente sem essa culpa imerecida. As estupidezes nativas, e não a “conexão alemã”, provocaram o atual “fechamento da mente americana”.

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