Praxiologia: Resposta ao Sr. Schuller

Tempo de Leitura: 7 minutos

Por Murray Rothbard

[Retirado de Economic Controversies, seç. 1, cap. 7]

Em vez de prolongar minha discussão com o Sr. Schuller[1] desnecessariamente ao engajar ainda mais em uma refutação ponto a ponto, acho importante clarificar a natureza da praxiologia e sua aplicabilidade a eventos históricos.

O axioma praxiológico fundamental é que seres humanos individuais agem. A praxiologia revela as implicações do conceito de “ação”. Ação resulta do fato que o “agente” individual acredita que há outros estados de ser preferíveis àquele que ele está no presente, e de sua crença que pode tomar certos passos que o levarão a um estado mais satisfatório. Dadas essas preferências e ideias “tecnológicas”, os indivíduos agem sobre elas a fim de chegar em um estado mais satisfatório. O estado preferido que o agente espera atingir é o seu “fim”; os passos pelos quais o agente tenta atingir seu objetivo são os “meios”.[2] É esse conceito praxiológico de ação que distingue os movimentos observados dos homens daqueles da matéria inorgânica.[3]

Esse axioma da ação é indiscutivelmente uma verdade importante e precisa formar a base para a teoria social. Negá-lo seria uma absurdidade. Como tem nosso conhecimento da verdade desse axioma sido alcançado? Desta maneira: um indivíduo reflete, descobre o conceito de ação e sua aplicabilidade a todos os indivíduos humanos, analisa seus componentes e, então, expõe-no oralmente ou pela palavra escrita. Cada indivíduo, ao refletir sobre o axioma da ação, precisa concordar com sua verdade e com sua importância. É a esse respeito que o axioma da ação precisa ser “universalmente reconhecido como verdadeiro”.[4] Qual nome aplicamos a esse método de obtenção de conhecimento é basicamente sem importância e envolve problemas filosóficos irrelevantes; assim, pode ser chamado de “introspectivo”, “empírico”, “a priori” ou “reflexivo”. A consideração importante é que é certamente um tipo diferente de “empirismo” do estudo de eventos históricos e é definitivamente “a priori” a esses eventos, e que tal situação não tem paralelo nas ciências físicas. As ciências físicas não estão na posição afortunada de conhecer positivamente seus axiomas fundamentais. Por outro lado, as ciências físicas estão em posição de isolar fatores causais em experimentos. As ciências físicas, então, têm de chegar a seus axiomas por hipóteses e por testes experimentais de conclusões deduzidas desses axiomas hipotéticos. Nas “ciências sociais”, os axiomas fundamentais da praxiologia são conhecidos desde o início, de modo que conclusões substantivas podem ser extraídas por meio de dedução lógica. Em eventos históricos humanos, entretanto, os fatores causais não podem ser isolados experimentalmente, de modo que o historiador precisa explicar pelo uso do juízo quais leis praxiológicas se aplicam na situação particular.

A explicação dos papéis das leis praxiológicas e do juízo ou “entendimento” histórico pode ser fornecida pelo seguinte exemplo: se a oferta de um meio de troca aumentar; e se a demanda por esse meio permanece a mesma; então, o poder de compra desse meio diminuirá. Essa é uma lei praxiológica. Como pode um historiador aplicar essa lei? Ele precisa primeiro determinar se ocorreu ou não um declínio no poder de compra (aumento nos preços). Isso envolve dificuldades de natureza histórico-estatística; não é um problema para a praxiologia ou para aquela divisão elaborada dela conhecida como “teoria econômica” ou “cataláxia”. Uma vez que ele tenha determinado que ocorreu uma queda no poder de compra do meio de troca, ele busca uma explicação aplicando a lei praxiológico-cataláctica. Ele investiga a situação histórica para descobrir se houve um aumento na oferta do meio de troca. Se ele encontrar um aumento considerável na oferta, ele está, então, em uma posição de asseverar três verdades:

  1. É um fato histórico que o poder de compra do meio de troca X diminuiu a tal e tal extensão.
  2. É um fato histórico que a oferta do meio de troca X aumentou em tal e tal extensão.
  3. A lei praxiológica que acabamos de mencionar. É, portanto, concluído: que uma causa significante da diminuição, A, foi o aumento na oferta, B.

Se ele não encontrar nenhum aumento na oferta, então ele deduz que uma queda na demanda pelo meio de troca foi a causa da queda no poder de compra.

Esse é um exemplo do que está envolvido no trabalho de explicação histórica. O trabalho do “teórico econômico”, ou praxiologista, é elaborar as leis (tais como C) a partir dos vários axiomas e de acordo com as regras da lógica. Claramente, nem Mises nem eu mesmo jamais citamos “fatos como se eles fornecessem apoio para suas conclusões e para os axiomas, postulados e procedimentos lógicos”. Eu citei fatos como as “lacunas do dólar” não como prova ou teste, mas como ilustrações do funcionamento das leis praxiológicas em situações históricas (modernas). É uma lei praxiológica que se o governo (ou qualquer outra agência que exerce o poder de violência) intervém no mercado para estabelecer uma valoração de qualquer mercadoria abaixo do que seria a valoração de mercado, ocorre uma escassez da mercadoria. A Lei de Gresham é uma subdivisão dessa lei aplicada ao meio de troca, que, por sua vez, leva à explicação da “lacuna do dólar”. O historiador vê uma escassez de dólares em relação a libras se desenvolver na Inglaterra e, usando leis praxiológicas, explica isso como consequência da sobrevalorização governamental da libra em relação ao dólar. De forma alguma ele testa ou “prova” a teoria.

Como pode a praxiologia ser aplicada à previsão, à predição de eventos históricos futuros? O processo é essencialmente aquele do historiador, exceto que as dificuldades são maiores. Assim, usando o exemplo acima, o previsor pode ver um aumento considerável na oferta de dinheiro ocorrer. Ele afirma B; C ele conhece como uma verdade praxiológica. A fim de prever o curso futuro provável do poder de compra, ele precisa fazer uma estimativa do curso provável da demanda por dinheiro no período em consideração. Se, com base em seu juízo, ele decidir que a mudança relativa na demanda será insignificante, ele está em posição de prever que o poder de compra da unidade monetária diminuirá naquele período. Com a ajuda da praxiologia, seu juízo é o melhor que ele pode oferecer, mas ainda é inexato, dependente da corretude de suas estimativas — nesse caso, do movimento na demanda por dinheiro. Se ele deseja fazer uma estimativa quantitativa da mudança no poder de compra, sua estimativa é ainda mais inexata, pois a praxiologia não pode ser de nenhuma ajuda nessa tentativa. Se sua previsão se mostrar errada, não foi a praxiologia que falhou, mas seu juízo do comportamento futuro dos elementos do teorema praxiológico. A praxiologia é indispensável, mas não proporciona omnisciência. Ela fornece leis na forma de: Se X, e se Y permanecer inalterado, então Z. Cabe ao historiador, e sua contraparte, o previsor, determinar os casos específicos nos quais a lei é aplicável. Agora deveria estar bastante claro que não há leis praxiológicas do desenvolvimento histórico, e que nem Mises nem eu precisamos “reconciliar” quaisquer “dilemas” ao apresentar tal lei. Se houvessem, então a tarefa do historiador seria muito mais fácil do que é. Os eventos históricos são resultados complexos de numerosos fatores causais: praxiológicos, psicológicos, físicos, químicos, biológicos, etc. O historiador precisa determinar qual ciência e quais de suas leis se aplicam e, o mais difícil, a extensão que cada fator causal operou nos eventos que ele está tentando explicar ou predizer. Os historiadores irão legitimamente divergir na ordem de importância a ser atribuída a cada fator. Assim, vários fatores, econômicos-praxiológicos, militares, morais e psicológicos podem ser enumerados como causas da Revolução Bolchevique. Mas não existe uma maneira exata e científica de decidir a extensão precisa da importância a ser atribuída a cada fator.

O que dizer da relação entre praxiologia e teoria econômica per se? Teoria econômica, conforme tem sido desenvolvida, é uma parte componente da praxiologia. É deduzida do axioma apodítico da ação, e a maior parte da teoria econômica, incluindo as leis e implicações da Incerteza, da Preferência Temporal, da Lei dos Retornos, da Lei da Utilidade, etc., pode ser deduzida diretamente sem suposições adicionais. Com a ajuda de um número muito pequeno de axiomas subsidiários que são, ao contrário, mais “empíricos” na natureza — como “a desutilidade do trabalho” —, o resto da teoria econômica pode ser deduzido.

As categorias da praxiologia podem ser delineadas como a seguir:

Praxiologia — a teoria formal e geral da ação humana:

  1. A Teoria do Indivíduo Isolado (Economia de Crusoé)
  2. A Teoria da Troca Voluntária Interpessoal (Cataláxia, ou a Economia do Mercado)
    1. Escambo
    2. Com Meio de Troca
      1. No Mercado Desimpedido
      2. Efeitos da Intervenção Violenta com o Mercado
      3. Efeito da Abolição Violenta do Mercado (Socialismo)
  3. A Teoria da Guerra — Ação Hostil
  4. A Teoria dos Jogos (e.g., Von Neumann e Morgenstern)
  5. Desconhecido

Claramente, A e B — Economia — é a única parte totalmente elaborada da praxiologia. As outras são áreas largamente inexploradas.

Uma palavra final sobre todo o incômodo a respeito de democracia, ditadura e governo. Claramente, o praxiologista qua praxiologista não pode defender qualquer curso de ação. Como um cidadão, porém, ele pode, junto com outros cidadãos, tentar decidir sobre o curso adequado da política social e, ao tomar essa decisão, ele irá provavelmente usar a ajuda da praxiologia e chamar atenção para sua utilidade. Para os problemas sociopolíticos, a praxiologia apresenta ao cidadão uma grande lição, i.e., que o uso da violência para propósitos de pilhagem fere não só a vítima (o que é evidente-ao-si), mas, a longo prazo, também o saqueador. O objetivo do bom cidadão, então, é tentar eliminar, ou pelo menos minimizar, a pilhagem violenta na sociedade.[5] O problema de como chegar a esse objetivo ainda não foi resolvido, como uma olhada no estado do mundo hoje deixará dramaticamente claro. O grande problema é como convencer ou persuadir o aspirante a saqueador a consultar seu longo prazo, em vez do que ele pode interpretar como seus interesses de curto prazo. A solução tradicional do laissez-faire era a de estabelecer um governo que teria um monopólio efetivo sobre os meios de violência e usaria esses meios apenas para prevenir e punir as tentativas de violência dentro da sociedade. Isso acabou em grande parte (embora não completamente) com o problema da violência social esporádica, mas criou um novo problema:

Quis custodes custodiet?[6] Quem vigiará o próprio estado de usar seu monopólio efetivo da violência para pilhagem? A tentativa mais ambiciosa de resolver esse problema foi a “jeffersoniana” — estabelecer um governo que seria firme e seguramente cercado com restrições constitucionais definidas para confiná-lo à sua função “anti-invasiva”, para instilar no povo um espírito de perpétua desconfiança vigilante do governo e particularmente da burocracia designada, e para manter o governo pequeno e local a fim de permitir o controle popular direto e a vigilância. À luz da história do século passado, é possível que esse método seja impraticável e que algum outro meio tenha de ser encontrado.

Finalmente, posso afirmar que embora eu compartilhe da esperança de Schuller de que minha interpretação do Human Action concorda com a de Mises, não há garantia para qualquer suposição daquele efeito.


[1] American Economic Review XL, no. 3 (Junho de 1950): 418–22; XLI, no. 1 (Março de 1951): 181–90.

[2] Apesar dele não usar o termo, o Professor Talcott Parsons envolveu-se em uma profunda análise praxiológica em seu Structure of Social Action (Glencoe, Ill.: The Free Press, 1949). Cf., esp. cap. 2, pp. 44–50.

[3] O caso difícil do comportamento animal, indo dos organismos inferiores até os primatas superiores, não pode ser discutido aqui.

[4] O questionamento de Schuler sobre a validade dos axiomas e procedimentos praxiológicos com base na possível inabilidade da vasta maioria de apreendê-los é um antigo problema para as ciências físicas. Como a teoria da relatividade de Einstein pode ser verdadeira se a massa do povo não consegue entender a demonstração de sua validade? Qualquer solução que as ciências físicas tenham desenvolvido para esse quebra-cabeça pode ser adotada pela praxiologia também.

[5] Isso é à parte de qualquer consideração moral que possa também levar o cidadão ao objetivo de eliminar ou minimizar o uso da violência.

[6] N.T.: Em tradução literal, “Quem custodia o custodiador?”, mais conhecido no contexto brasileiro como “Quem vigia o vigilante?” ou “Quem vigia o vigia?”.

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