Sobre fazer algo quanto a isso – Frank Chodorov

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Esta é a tradução do capítulo X da autobiografia de Frank Chodorov, Out of Step (1962).

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Um jovem precisa ter uma “causa”. O utopismo é uma doença tão natural para o garoto em idade de faculdade quanto o sarampo era na sua infância. Minha doença foi o anarquismo. Eu não sei se peguei de Kropotkin e Proudhon porque eles me forneceram argumentos com os quais refutar os socialistas do campus ou porque eles escreveram tanto sobre individualismo, o que permaneceu arraigado na minha formação. De qualquer forma, eu experimentei meu caso de amor com o anarquismo, que terminou somente quando eu pesquisei sobre as doutrinas econômicas das várias escolas do anarquismo então existentes. Todas elas tinham uma visão sombria da propriedade privada, sem a qual, parecia-me já naquela época, o individualismo não fazia sentido. Se um homem não pode aproveitar os frutos de seu trabalho, sem permissão ou limitação, ele é escravo daquele que se apropria de sua propriedade; um escravo não tem direitos de propriedade. Além disso, eu pensava, a abolição da propriedade privada poderia ser conseguida somente com a intervenção de um Estado todo-poderoso, o qual os anarquistas estavam tão inclinados a destruir. Essa incongruência inibiu minha curta paixão pelo anarquismo.

Bakunin me perturbava especialmente. Sua urgência em “fazer algo quanto a isso” com bombas não me apeteceu, não porque eu fosse inclinado ao pacifismo, mas porque eu percebia que nenhum bem poderia advir da violência. O arremessador de bombas pode conseguir alguma mudança no governo com sua tática, mas poderia ele resistir à tentação de arremessar bombas? Ele não poderia usá-las para adquirir e exercer o poder por sua própria conta? Logo cedo eu desenvolvi um desgosto em relação a “fazer algo quanto a isso” — isto é, em relação à reorientação organizada e forçosa da sociedade rumo a uma imagem preferida por mim. Eu nunca fui um membro de carteirinha de nenhuma organização, me revolto com qualquer tentativa de canalizar meu pensamento e me oponho constitucionalmente à ação política.

Eu gostaria, é claro, de ver a sociedade organizada de forma que o indivíduo fosse livre para seguir a sua própria “busca pela felicidade” como ele achasse apropriado e de acordo com suas próprias habilidades. Porque eu assumo que o indivíduo ao nascer é dotado do direito de fazer isso. Eu não posso negar esse direito aos outros homens sem implicar que eu mesmo o tenho, e isso eu não admitirei. Eu reclamo para mim mesmo a prerrogativa de ficar bêbado e dormir jogado na sarjeta, com a condição, claro, de que eu não interfira no direito de meu vizinho de ir à ópera; essa é a minha forma (e a dele) de buscar a felicidade. Como pode uma terceira pessoa saber que ficar bêbado ou ir à ópera não é “bom” para qualquer um de nós? Ela, ou a sociedade, ou uma maioria, pode dizer que nós, meu vizinho e eu, temos os valores “errados” e tentar nos dizer isso, mas a imposição da força para nos fazer mudar de valores é injustificável; esse uso da coerção advém de uma presunção de onisciência, a qual não é uma qualidade humana. O melhor que a sociedade pode fazer nessas circunstâncias é se assegurar de que a forma pela qual o indivíduo busca a felicidade não interfira com a dos outros — e então nos deixar todos sozinhos.

Essa é a forma como eu gostaria de ver a sociedade da qual sou parte organizada; mas ela não está organizada dessa forma e eu considero suas regras muito desagradáveis. Em primeiro lugar, ela instituiu um sistema de taxação pelo qual um terço de nossas rendas é confiscado; o tamanho desse confisco é a limitação ou a circunscrição da busca pela felicidade, pois não se pode gastar (em uísque ou ópera) o que não se tem. E então o gasto dessa vasta quantidade de dinheiro torna necessária uma burocracia de grandes proporções, e essa monstruosa burocracia, para justificar sua existência, dá grandes presentes a grupos favorecidos, que precisam se submeter a certas regulações e controles para consegui-los. Nossa busca pela felicidade é, assim, limitada — pelo nosso próprio “bem”, para ser claro.

Isso eu considero mau, perverso, infame e tudo o mais. Assim, eu me proponho a “fazer algo quanto a isso”. Mas como? Obviamente eu não posso fazer qualquer coisa para mudar nosso sistema por mim mesmo, embora eu possa, se eu pensar dessa forma, me recusar a pagar impostos e sofrer as conseqüências; as conseqüências são uma maior interferência em minha busca pela felicidade. Meu único recurso é me associar com pessoas que pensam de forma similar e ter esperanças de que nós possamos de alguma forma remover de nossos estatutos as leis de impostos. Para fazer isso, temos que ter um número considerável de mentes determinadas a fazer isso. Nós temos que vasculhar as matas em busca de convertidos para nossa causa, pois a maioria das pessoas está preocupada em viver da melhor forma aqui e agora do que em reescrever as regras da ordem social. Somente comparativamente poucos estão interessados numa reforma. Mas, com uma árdua busca e através da educação nós podemos reunir um bom número, suficiente para fazer sentir sua influência, que esteja convencido de que nossa idéia é sincera e que desejem aplicá-la ou morrer por ela.

Entretanto, a estratégia tem que ser considerada. O padrão histórico para se fazer algo quanto a isso é confrontar o poder político com uma oposição organizada, a qual, novamente, é poder político. Embora a vingança seja considerada por essa direta colisão de forças, a história mostra que os princípios permanecem exatamente como eram antes da colisão. E isso ocorre caso o conflito tome a forma de uma revolução violenta ou de uma batalha nas urnas. A razão desse resultado invariável é encontrado na técnica necessária da ação política; precisa haver um líder, pois sem ele um exército não passa de um aglomerado que se dispersa facilmente. Eu nomeio a mim mesmo para o trabalho, não por causa de quaisquer qualificações particulares que eu possa ter, mas porque de minha devoção à idéia me habilita a essa distinção. Bem, pois, sob a minha liderança nós conseguimos uma votação considerável — para mim e presumivelmente para minha idéia.

Mas, embora até agora eu tenha sido um professor, um propagandista e um organizador, eu sou agora um legislador confrontado com o problema prático de fazer as leis. O parlamentarismo bloqueia meu caminho. E eu encontro condições e interesses que fazem com que a mudança da lei seja difícil. Eu vejo, por exemplo, que podersos grupos têm interesses na taxação; os veteranos são por ela, também o são os fazendeiros que vivem através de subsídios, da mesma forma que os industrialistas cujas operações estão atreladas às receitas governamentais, e os donos de papéis do governo são os mais vocais na oposição à minha idéia. Logo vejo que a política é a arte do possível e é simplesmente impossível mudar a estrutura de impostos do país. Assim, eu penso em concessões, consolando minha consciência com o pensamento de que as concessões são meramente temporárias e que quando as condições forem propícias, a taxação como um todo será abolida. Além disso, eu sou humano e sucumbo à tentação de perpetuar minha posição de proeminência; os honorários do cargo são os mais sedutores e eu concordo em fazer concessões em troca da promessa de suporte da oposição.

O caso de Robespierre vem à mente. Ele era, como todos sabem, um estudante e discípulo de Rousseau que se opunha completamente à pena capital. Contudo, quando chegou à hora de votar sobre a questão do regicídio, Robespierre foi a favor, acompanhando seu voto com um longo discurso explicativo no qual ele usava outra aberração de Rousseau — a Vontade Geral — para se justificar. A expediência o impeliu a virar Rousseau do avesso.

As expediências da política combinadas com as fragilidades dos líderes políticos descartam a possibilidade de usar o método político para colocar o princípio dentro da lei. A ordem social precisa cuidar de si mesma; a política e a lei seguirão o que ditar a sociedade, uma vez que a sociedade saiba o que quer e aja como se quisesse. Portanto, para “fazer algo quanto a isso” é necessário se concentrar na sociedade e desconsiderar severamente a política; o que significa educação e mais educação e ignorar os políticos totalmente. Como esse curso pode ocasionar uma genuína reforma se torna evidente quando nós consideramos a composição da máquina política conhecida como Estado.

A fraqueza do Estado está no fato de que ele não é nada além de um agregado de humanos; sua força é derivada da ignorância geral desse truísmo. Desde muito tempo a cobertura dessa vulnerabilidade tem ocupado os talentos do político; todas as formas de argumentos foram aduzidas para dar ao Estado um caráter sobrehumano, e rituais sem fim foram inventados para dar a essa ficção a verossimilhança da realidade. A divindade com a qual o rei considerava necessário investir-se foi tomada pelo mítico cinqüenta e um por cento do eleitorado, que, por sua vez, dão ordens àqueles que os governam. Para ajudar no processo de canonização, os personagens nos quais o poder reside se separaram através de artifícios como títulos grandiloqüentes, trajes distintivos e medalhas hierárquicas. Os modos da língua e do comportamento — chamados de protocolo — enfatizam essa separação. No entanto, o fato da mortalidade não pode ser negado e a continuidade do poder político é fabricada por meio de símbolos que inspiram admiração, tais como bandeiras, tronos, monumentos, selos e laços; essas coisas não morrem. Por meio de litanias a alma é sugada para dentro desse novilho de ouro e a filosofia política o unge como uma “pessoa metafísica”.

Luís XIV foi bastante literal quando ele disse “L’état c’est moi”. O Estado é uma pessoa, ou várias pessoas, que exercem a força, ou a ameaça dela, para fazer com quem os outros façam o que de outra forma não fariam, ou para se absterem de satisfazer um desejo. A substância do Estado é o poder político, e o poder político é coerção exercida por pessoas sobre pessoas; o caráter sobrehumano assumido pelo Estado tem o propósito de esconder esse fato e induzir a subserviência. A força do Estado é sansônica e pode ser cortada pelo reconhecimento popular do fato de que só existe um Tom, um Dick e um Harry.

Os anarquistas dizem que o Estado é perverso. Eles estão errados. O Estado são perversos. Não é um sistema que cria privilégios, são várias pessoas moralmente responsáveis que fazem isso. Um robô não pode declarar guerra e funcionários gerais não podem conduzir uma; o instrumento motivador é um homem chamado rei ou presidente, um homem chamado legislador, um homem chamado general. Identificando assim o comportamento político com as pessoas, nós evitamos a transferência da culpa para uma ficção amoral; nós colocamos a responsabilidade aonde ela pertence.

Tendo estabelecido em nossas mentes o fato de que o Estado é formado por um número de pessoas que não podem fazer bem algum, nós procedemos a tratá-las de acordo. Você não se curva perante um preguiçoso comum; por que você deveria reverenciar um burocrata? Se um político importante aluga um salão para fazer um discurso, fique longe; a ausência da audiência dará a ele uma dimensão de sua irrelevância. Os discursos e afirmações escritas de uma figura política são feitos para impressioná-lo com a importância dele, e se você não escutá-lo ou lê-lo você não será influenciado e ele desistirá. É o aplauso, a adulação que concedemos aos personagens políticos que registra a nossa consideração pelo poder que eles carregam; a deflação desse poder se dá na proporção de nossa desconsideração desses personagens. Sem uma platéia animada não há parada.

O ostracismo social sozinho pode trazer até mesmo as maiores falsidades políticas ao seu nível moral. Aqueles cujo respeito próprio não decresceu até o ponto do desaparecimento sairão do campo político e encontrarão trabalhos honestos, ao passo que os degenerados que permanecerem terão que se adaptar ao que eles conseguirem pegar do público relutante. Abaixo da alta-cúpula política estão milhões de empregados que merecem mais piedade do que desprezo; você considera difícil desprezar o homem cuja incompetência o força à sarjeta pública. Contudo, se você assumir a atitude “pobre John” em relação a ele, você o lembra continuamente de um padrão mais alto e pode salvá-lo da própria degeneração.

Um prédio do governo você considera como um mausoléu; você entra neles somente sob ameaça e não se diminui a ponto de admirar suas estátuas vivas ou mortas. As estrelas nos ombros do general significam que o homem pode ter sido um membro útil da sociedade; você tem pena do garoto cujo uniforme identifica sua servidão. O trono sobre o qual o juiz se senta eleva o corpo mas rebaixa o homem, e uma sala de jurados é um lugar onde escravos a três-dólares-por-dia executam as leis da escravidão. Você honra o evasor de impostos e respeita o homem honorável o suficiente para desafiar a lei.

O poder social reside em todo indivíduo. Assim como você coloca a responsabilidade social no comportamento político, você precisa assumir responsabilidade pessoal pelo comportamento social. Você despreza o legislador Brown não porque ele violou um princípio da Tax Reform Society [N.T.: algo como “Sociedade pela Reforma do Sistema Tributário”], à qual você pertence, mas porque seu voto pela arrecadação de impostos é, em sua estimativa, um ato de roubo. Não é uma sociedade de paz que julga o fazedor de guerras, é o pacifista individual. Todos os valores são pessoais. A boa sociedade que você visiona pelo declínio do Estado é uma sociedade na qual você é parte integral; sua campanha é, portanto, uma obrigação pessoal.

Você é inefetivo sozinho? Você precisa de uma organização para lhe ajudar? Somente indivíduos pensam, sentem e agem; a organização serve apenas como uma máscara para aqueles incapazes de pensar ou que não desejam agir de acordo com suas próprias convicções. No final, toda organização vicia o ideal que primeiro atraiu seus membros, e quanto mais numerosos os associados, mais certo esse resultado; isso ocorre porque o ideal organizacional é uma concessão dos valores privados e, num esforço para encontrar uma concessão possível, o denominador comum mais baixo, enquanto o número de associados cresce, se torna o ideal. Quando você fala por você mesmo, você é forte. A potência do poder social é proporcional ao número daqueles de mentalidade parecida, mas essa é uma questão de educação, não de organização.

Portanto, vamos tentar o ostracismo social da política e dos políticos. Deve funcionar. A reforma através da política somente fortalece o Estado.

Frank Chodorov (1887-1966) foi um ativista geolibertário da Velha Direita norte-americana. Fundou a revista The Freeman, onde escreveu por anos em defesa do anti-estatismo, do anti-imperialismo e do livre-mercado.

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