Uma Breve Introdução ao Libertarianismo

Tempo de Leitura: 5 minutos

Por Luís Henrique da Silva

Mesmo que existam muitos livros publicados, assim como institutos voltados à pesquisa e à divulgação de informações, como também grupos que se debruçam sobre o tema, o Libertarianismo pode causar uma série de dúvidas e, até mesmo, uma má impressão àqueles que ouvem falar dele pela primeira vez. Exemplos disso são opiniões do tipo “Libertarianismo é libertinagem”, “Libertarianismo é utopia” ou “Libertarianismo é um meio de desorganizar a própria vida”. Em razão da existência dessas maneiras de pensar, que julgo equivocadas, proponho estabelecer uma definição dessa filosofia política, com o objetivo de evitar possíveis erros interpretativos, como os citados anteriormente, seja quando você, leitor, ler ou assistir sobre o tema em outros lugares.

O Libertarianismo – em especial, o austrolibertarianismo – é uma filosofia política que tem como axioma central o princípio da não-agressão (PNA), nele é estabelecido que nenhum homem ou um grupo de homens podem iniciar ou ameaçar iniciar uma agressão física contra o corpo e/ou a propriedade privada de outrem. O uso da força física é permitido somente para a defesa e que essa deve ser proporcional ao período e ao nível de violência empregada contra a vítima.[1] Além disso, o Libertarianismo também é composto pela defesa de dois direitos naturais e universalizáveis: o direito de propriedade (bens que os indivíduos possuem de maneira legítima através da apropriação original) e propriedade de si[2] (soberania do indivíduo sob o seu próprio corpo). Ambos os direitos também são um meio de resolver os conflitos entre os homens, quando eles decidem usar o mesmo bem escasso para fins diferentes, uma vez que, boa parte deles – senão todos – ocorrem por causa da escassez de recursos materiais. Por esse motivo, existe a necessidade de estabelecer o que pertence a um e o que pertence ao outro de maneira justa.[3]

O liberalismo clássico inglês do século XVI e XVII, com a sua defesa do individualismo, da propriedade privada, com uma postura contra o governo centralizado e o poder absoluto do monarca, foi o que veio a dar base ao Libertarianismo. Pode-se afirmar que o Libertarianismo é uma evolução ainda mais ousada do liberalismo clássico inglês. Podemos ver isso claramente durante a Revolução Americana, devido ao fato deles (americanos) não aceitaram o imperialismo inglês, o mercantilismo, os impostos abusivos, por preferirem ter uma desconfiança em relação ao poder, por terem entendido que o governo deve ser limitado e descentralizado e que os homens administram melhor às suas próprias vidas e o governo não deve interferir nisso, que os impostos podem ser cobrados somente com o consentimento dos indivíduos, que o poder do exército também deve ser limitado e entre outras questões que favoreçam à limitação do poder governamental. Na prática, essas ideias se tornaram manifestas na constituição americana e na declaração de direitos.

Essa mentalidade em favor da propriedade privada, pela soberania do indivíduo sobre o seu próprio corpo frente ao absolutismo monárquico e ao governo centralizado, tem a sua primeira aparição com o filósofo John Locke, em especial, na sua obra Segundo Tratado Sobre o Governo Civil (1689). Outros principais influenciadores da Revolução Americana foram os lockeanos do século XVIII, chamados John Trenchard e Thomas Gordon. Com suas Cartas de Catão, os dois buscavam aplicar os ensinamentos de Locke aos problemas concretos causados pelo governo, chegando à conclusão de que a tendência do seu poder é sempre crescer rumo à destruição dos direitos de cada indivíduo sob a sua pessoa e propriedade. Por esse motivo, é preciso manter-se vigilante em relação ao poder governamental.

O libertarianismo não fica somente no discurso – como alguns costumam pensar – ele também está voltado para questões da vida cotidiana, tais como, economia, filosofia, educação, direito, ética, relações interpessoais e etc. Isso foi muito bem feito por Murray Rothbard, principalmente em seus livros como em Por Uma Nova Liberdade: O Manifesto Libertário (1973) e em A Ética da Liberdade (1982). Rothbard reuniu autores anarquistas – com suas oposições à coerção estatal – e figuras importantes da tradição libertária e liberal clássica, como Lysander Spooner, Benjamin Tucker, Henry David Thoreau e Albert J. Nock, Frédéric Bastiat, Gustave de Molinari e Étienne de La Boétie, o que deu origem ao chamado libertarianismo moderno, que é popularmente conhecido como Anarcocapitalismo (anarquismo de propriedade privada). Ele concluiu que o Estado não vive para o benefício daqueles que o mesmo diz representar, mas que na realidade, tal instituição é sustentada sob o roubo legalizado da riqueza (impostos) dos indivíduos, que usa de coerção contra seres humanos pacíficos, ruindo, desta maneira, a liberdade deles, tornando-os mais pobres. Ademais, o Estado também conta com a ajuda de intelectuais estatistas que tem como finalidade justificar a necessidade dele existir, tornando-o legítimo para a maioria do público, em troca de status e dinheiro. Atualmente quem continua o legado de Murray Rothbard é o filósofo político e economista austro-libertário chamado Hans-Hermann Hoppe,[4] com o seu rigor argumentativo, ele faz uma defesa consistente da propriedade privada frente à coerção estatal, levando em consideração as questões teóricas e também empíricas. Um outro teórico que busca explicar outras questões que são mais polêmicas – a luz da ética rothbardiana – é o economista Walter Block, principalmente em seu famoso livro Defendendo o Indefensável (1976).

Diante do exposto, o libertarianismo nada tem a ver com libertinagem, utopia ou desorganização da vida das pessoas. Primeiro, porque ele não estabelece nenhuma norma que estimule ações imprudentes da parte dos homens e que as atitudes que eles moralmente julgarem como inadequadas para si, podem muito bem serem rejeitadas individualmente por cada pessoa. Segundo, essa filosofia política não tem como finalidade e nem meio a criação de uma sociedade moldada a partir do nada, muito pelo contrário, a proposta é o retorno de valores pacíficos – que foram devidamente melhorados ao longo do tempo – e que favorecem a liberdade de cada indivíduo em oposição aos engenheiros sociais e burocratas do governo. Pois, com mais liberdade temos o progresso e com a coerção estatal temos o declínio. Terceiro, pela razão de que o princípio da não-agressão (PNA), o direito de propriedade e autopropriedade já é a sugestão da possibilidade de uma organização eficiente da própria vida e da boa convivência com as outras pessoas. Por fim, esses três elementos não estão abertos à concessão de qualquer natureza, já que isso significaria trair e se afastar do objetivo final do libertarianismo, que é o do pleno respeito à propriedade privada e à autopropriedade, e por consequência, a liberdade.

Referências Bibliográficas:

–DOHERTY, Brian. Quem foi Murray Rothbard: o primeiro anarcocapitalista, julho de 2020. Disponível em: https://ideiasradicais.com.br/murray-rothbard/

–ROTHBARD, Murray N. Por Uma Nova Liberdade: O Manifesto Libertário. 1973. Trad. Rafael de Sales de Azevedo. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2013. Cap. 1, 2, 3.

–ROTHBARD, Murray. A Ética da Liberdade. 1982. Trad. Fernando Fiori Chiocca, 2° edição. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. Cap. 6, 7, 8, 13.

–SPOONER, Lysander. Direito Natural ou A Ciência da Justiça. 1882. Trad. Erick Vasconcelos. São Paulo: Abacate Libertário.

–HOPPE, Hans-Hermann. Manual Para Entender Direito o Libertarianismo. 2018. Trad. Fernando Chiocca, João Marcos Theodoro, Pedro Anitelle, Daniel Chaves Claudino, Larissa Guimarães, Bruno Cavalcante. Instituto Rothbard, 2020. Cap. 1 e 2.


[1] Murray Rothbard aborda essa questão no capítulo 12 do seu livro A Ética da Liberdade (1982), o aspecto jurídico dela foi aperfeiçoada por Stephan Kinsella em seu artigo intitulado: Agressão, pena e proporcionalidade – como estabelecer limites. Disponível em: https://rothbardbrasil.com/agressao-pena-e-proporcionalidade-como-estabelecer-os-limites/

[2] Você também irá ver escrito em outros lugares isso sendo referido como: autopropriedade (em Murray Rothbard, Stephan Kinsella) ou direito do indivíduo sob a sua pessoa (John Locke).

[3] Veja mais sobre isso no livro: HOPPE, Hans-Hermann. Manual Para Entender Direito o Libertarianismo. 2018. Trad. Fernando Chiocca, João Marcos Theodoro, Pedro Anitelle, Daniel Chaves Claudino, Larissa Guimarães, Bruno Cavalcante. Instituto Rothbard, 2020. Cap. 2, pág. 41–43.

[4] Para mais informações sobre Hans-Hermann Hoppe e o seu método investigativo, você pode encontrar no livro Coord. Dennys Xavier, Hans Hoppe e a insustentável defesa do estado: Breves Lições (Coleção Breves Lições). São Paulo: LVM Editora, 2019. Cap. 1 e 2.

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