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Por Murray Rothbard

[Retirado de História do Pensamento Econômico: Uma Perspectiva Austríaca—Antes de Adam Smith, cap. 1, subcap. 8]

A difícil, mas influente discussão de Aristóteles sobre as trocas sofreu gravemente com sua tendência persistente de confundir análise com juízo moral instantâneo. Como no caso da cobrança de juros, Aristóteles não se contentou em concluir um estudo do porquê as trocas acontecem na vida real antes de começar com os pronunciamentos morais. Ao analisar as trocas, Aristóteles declara que essas transações mutuamente benéficas implicam uma “reciprocidade proporcional”, mas é caracteristicamente ambivalente em Aristóteles se todas as trocas são por natureza marcadas pela reciprocidade, ou se apenas as trocas proporcionalmente recíprocas são verdadeiramente “justas”. E é claro que Aristóteles nunca levantou a questão: por que as pessoas voluntariamente se envolvem em trocas “injustas”? Da mesma forma, por que as pessoas deveriam voluntariamente pagar cobranças de juros se elas são realmente “injustas”?

Para complicar ainda mais as coisas, Aristóteles, sob a influência dos místicos dos números pitagóricos, introduziu termos matemáticos obscuros e ofuscantes no que poderia ter sido uma análise direta. O único benefício duvidoso dessa contribuição foi dar muitas horas felizes aos historiadores do pensamento econômico que tentavam ler uma análise moderna e sofisticada em Aristóteles. Esse problema foi agravado por uma tendência infeliz entre os historiadores do pensamento de considerar os grandes pensadores do passado necessariamente consistentes e coerentes. Isso, claro, é um grave erro historiográfico; por maiores que tenham sido, quaisquer pensadores podem cair no erro e na inconsistência, e até mesmo escrever algo sem sentido ocasionalmente. Muitos historiadores do pensamento parecem não ser capazes de reconhecer esse simples fato.

A famosa discussão de Aristóteles sobre reciprocidade na troca no Livro V de sua Ética a Nicômaco é um excelente exemplo de uma queda na incompreensibilidade. Aristóteles fala de um construtor que troca uma casa pelos sapatos produzidos por um sapateiro. Ele então escreve: “O número de sapatos trocados por uma casa precisa, portanto, corresponder à proporção entre o construtor e o sapateiro. Pois, se não for assim, não haverá troca e nem relação entre eles”. Ué? Como pode haver uma proporção de “construtor” para “sapateiro”? Ou mesmo de igualar essa proporção a sapatos/casas? Em que unidades podem homens como construtores e sapateiros serem expressos?

A resposta correta é que não tem coerência, e que esse exercício particular deve ser descartado como um exemplo infeliz de quantofrenia pitagórica. E ainda assim, vários historiadores ilustres leram construções torturantes dessa passagem para fazer Aristóteles parecer um precursor da teoria do valor-trabalho, de W. Stanley Jevons ou de Alfred Marshall. A teoria do trabalho é lida na suposição indefensável de que Aristóteles “deve ter querido dizer” horas de trabalho aplicadas pelo construtor ou sapateiro, enquanto Josef Soudek de alguma forma vê aqui as respectivas habilidades desses produtores, habilidades que são então medidas por seus produtos. Soudek eventualmente surge com Aristóteles como ancestral de Jevons. Diante de toda essa elaborada procura por chifres em cabeças de cavalos, é um prazer ver o veredito de incompreensibilidade apoiado pelo historiador econômico da Grécia antiga, Moses I. Finley, e pelo distinto estudioso aristotélico H. H. Joachim, que teve a coragem de escrever, “Como exatamente os valores dos produtores devem ser determinados, e o que a relação entre eles pode significar é, devo confessar, no final, ininteligível para mim.”[1]

Outra grave falácia no mesmo parágrafo do Ética causou danos incalculáveis aos séculos futuros de pensamento econômico. Lá, Aristóteles diz que para que uma troca (qualquer troca? Uma troca justa?) ocorra, os diversos bens e serviços “devem ser equacionados”, uma frase que Aristóteles enfatiza várias vezes. É essa “equação” necessária que levou Aristóteles a introduzir a matemática e os sinais de igual. Seu raciocínio era que para A e B trocarem dois produtos, o valor de ambos os produtos deveria ser igual, caso contrário, não haveria troca. Os diversos bens que estão sendo trocados uns pelos outros devem ser tornados iguais porque apenas coisas de igual valor serão trocadas.

O conceito aristotélico de valor igual na troca está simplesmente errado, como a Escola Austríaca apontaria no final do século XIX. Se A troca sapatos por sacos de trigo de propriedade de B, A o faz porque prefere o trigo aos sapatos, enquanto as preferências de B são precisamente o oposto. Se uma troca ocorre, isso implica não uma igualdade de valores, mas sim uma desigualdade reversa de valores nas duas partes que fazem a troca. Se compro um jornal por 30 centavos de dólar, faço-o porque prefiro adquirir o jornal a ficar com os 30 centavos, enquanto o jornaleiro prefere receber o dinheiro a ficar com o jornal. Essa dupla desigualdade de valorações subjetivas estabelece a pré-condição necessária para qualquer troca.

Se é melhor esquecer a equação da proporção entre construtor e trabalhador, outras partes da análise de Aristóteles foram vistas por alguns historiadores como anteriores a partes da economia da Escola Austríaca. Aristóteles afirma claramente que o dinheiro representa a necessidade ou demanda humana, que fornece a motivação para a troca e “que mantém todas as coisas juntas”. A demanda é governada pelo valor de uso ou pela desejabilidade de um bem. Aristóteles segue Demócrito ao apontar que, depois que a quantidade de um bem atinge certo limite, depois que há “demais”, o valor de uso despencará e se torna sem valor. Mas Aristóteles vai além de Demócrito ao apontar o outro lado da moeda: quando um bem se torna mais escasso, ele se torna subjetivamente mais útil ou valioso. Ele afirma no livro Retórica que “o que é raro é um bem maior do que o que é abundante. Portanto, o ouro é uma coisa melhor do que o ferro, embora menos útil”. Essas declarações fornecem uma sugestão da influência correta de diferentes níveis de oferta sobre o valor de um bem e, pelo menos, uma sugestão da teoria do valor da utilidade marginal austríaca, mais tarde totalmente formada, e sua solução para o “paradoxo” do valor.

Essas são alusões e sugestões interessantes; mas algumas frases fragmentadas espalhadas por diferentes livros dificilmente constituem um precursor de pleno direito da Escola Austríaca. Mas um prenúncio mais interessante do austrianismo só chamou a atenção dos historiadores nos últimos anos: a base para a teoria austríaca da produtividade marginal — o processo pelo qual o valor dos produtos finais é imputado aos meios, ou fatores, de produção.

Em sua obra pouco conhecida, os Tópicos, bem como em sua Retórica posterior, Aristóteles se engajou em uma análise filosófica da relação entre os fins humanos e os meios pelos quais as pessoas os perseguem. Esses meios, ou “instrumentos de produção”, necessariamente derivam seu valor dos produtos finais úteis ao homem, “os instrumentos de ação”. Quanto maior a desejabilidade, ou valor subjetivo, de um bem, maior a desejabilidade ou valor dos meios para chegar a esse produto. Mais importante, Aristóteles introduz o elemento marginal nessa imputação argumentando que se a aquisição ou adição de um bem A a um bem C já desejável cria um resultado mais desejável do que a adição do bem B, então A é mais altamente valorizado do que B. Ou, como disse Aristóteles: “julgue por meio de uma adição e veja se a adição de A para a mesma coisa que B torna o todo mais desejável do que a adição de B”. Aristóteles também introduz um conceito ainda mais especificamente pré-austríaco, ou pré Bohm-Bawerkiano, enfatizando o valor diferencial da perda, ao invés da adição de um bem. O bem A será mais valioso do que B, se a perda de A for considerada pior do que a perda de B. Como Aristóteles expressou claramente: “Esse é o bem maior cujo contrário é o mal maior, e cuja perda nos afeta mais.”

Aristóteles também notou a importância da complementaridade dos fatores econômicos de produção na imputação de seu valor. Um serrote, observou ele, é mais valioso do que uma foice na arte da carpintaria, mas não é mais valioso em todos os lugares e para todos os propósitos. Ele também destacou que um bem com muitos usos potenciais será mais desejável, ou valioso, do que um bem com apenas um uso.

Os críticos da importância econômica da análise de Aristóteles acusam que, com exceção da passagem do serrote e da foice, Aristóteles não fez nenhuma aplicação econômica de seu amplo tratamento filosófico da imputação de valor. Mas essa acusação ignora o ponto austríaco crucial — feito com particular força e elaborado pelo economista austríaco Ludwig von Mises no século XX — de que a teoria econômica é apenas uma parte, um subconjunto, de uma análise mais ampla e “praxeológica” da ação humana. Ao analisar as implicações lógicas do emprego de meios para a busca de fins em toda ação humana, Aristóteles brilhantemente começou a lançar as bases para a teoria austríaca de imputação e produtividade marginal mais de dois milênios depois.


[1]H. H. Joachim, Aristotle: The Nichomachean Ethics (Oxford: The Clarendon Press, 1951), p. 50. Ver também Moses I. Finley, “Aristotle and Economic Analysis”, em Studies in Ancient Society (Londres: Routledge and Kegan Paul, 1974), pp. 32-40.

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