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Por Murray Rothbard

[Retirado de História do Pensamento Econômico: Uma Perspectiva Austríaca—Antes de Adam Smith, cap. 4, subcap. 2]

A escolástica tardia foi o produto do século XVI, o século que deu início à Reforma Protestante e à Contrarreforma Católica. Se o século XIII foi bem descrito como a idade de ouro da filosofia escolástica, então, o século XVI foi sua idade de prata, a era de um renascimento brilhante do pensamento escolástico antes que as sombras da noite finalmente o fechassem. Como vimos, os séculos XIV e XV assistiram ao surgimento do nominalismo e, pelo menos, ao enfraquecimento da ideia de uma lei natural racional, objetiva — incluindo uma ética da lei natural — descobrível pela razão do homem. O século XVI testemunhou um tomismo renascente, liderado por um dos maiores clérigos de sua época, Tommaso de Vio, o Cardeal Caetano (1468-1534).

Cardeal Caetano não foi o único preeminente filósofo e teólogo Tomista de seus dias; ele também era um italiano dominicano que se tornou superior geral da Ordem Dominicana em 1508. Um cardeal da Igreja, ele foi o defensor da fé favorito do papa nos debates com o grande fundador do protestantismo, Martinho Lutero. Em seu Commentaria sobre a Summa de Tomás de Aquino, Caetano, é claro, endossou a visão padrão escolástica de que o preço justo é o preço comum de mercado, refletindo a estimativa dos compradores, e sustentou que esse preço flutuará com as mudanças nas condições de demanda e de oferta. Ao tentar purgar a economia escolástica de qualquer traço da teoria Langensteiniana da “posição social”, no entanto, Caetano, foi além, ao criticar Tomás por denunciar o acúmulo de riqueza além do status próprio como sofrendo do pecado da avareza. Pelo contrário, declarou Caetano, é legítimo que pessoas altamente capazes ascendam na escala social de uma forma que corresponda com suas realizações. Esse sincero endosso da mobilidade ascendente em um livre mercado foi a tentativa mais ampla de livrar a escolástica de todos os vestígios do antigo desprezo pelo comércio e pelo ganho econômico.

Em seu abrangente tratado sobre câmbio internacional, De Cambiis (1499), o grande Caetano apresentou a defesa mais completa e mais ampla do mercado de câmbio exterior já redigida. Pondo de lado a indecisão vacilante de seu compatriota dominicano, Fra Santi Rucellai (1437-1497), ele mesmo um ex-banqueiro de câmbio e filho de um banqueiro, o cardeal foi firme e contundente. Uma vez que o papel do mercador fora há muito estabelecido como legítimo, o mesmo deveria acontecer com o do banqueiro de câmbio, que está simplesmente se envolvendo em um tipo de transação de mercadoria. Além disso, o comércio moderno não poderia funcionar sem o mercado de câmbio internacional e as cidades não poderiam existir sem o comércio. Daí, é necessário e correto que exista o mercado de câmbio. Como em outros mercados, o preço de mercado habitual é o preço justo.

No curso de sua defesa do mercado de câmbio em De Cambiis, Caetano procedeu a avançar o estado da arte na teoria monetária. Ele mostrou incisivamente que o dinheiro é uma mercadoria, particularmente quando se move de uma cidade para outra, e é, portanto, sujeito às leis de demanda e de oferta que regem os preços das mercadorias. Nesse ponto, Caetano fez um grande avanço na teoria monetária, na verdade, na teoria econômica em geral. Ele ressaltou que o valor do dinheiro depende não apenas das condições de oferta e de demanda existentes, mas também das expectativas presentes do estado futuro do mercado. As expectativas de guerras, fomes e de mudanças futuras na oferta de dinheiro, afetarão seu valor atual. Assim, o cardeal Caetano, um príncipe da Igreja do século XVI, pode ser considerado o fundador da teoria das expectativas na economia.

Além disso, Caetano distinguiu entre os dois tipos de “valor do dinheiro”: seu poder de compra em termos de bens, de modo que o ouro ou a prata são “igualados” com bens sendo vendidos e comprados; e o valor de uma moeda ou moeda corrente em termos de outras no mercado de câmbio internacional. Aqui, cada tipo de moeda tende a se mover para aquela região onde seu valor é maior, e a se afastar de onde quer que seu valor seja menor.

Na controversa questão da usura, embora Caetano não tenha sido tão radical quanto seu contemporâneo alemão Summenhart em praticamente erradicar a proibição da usura, ele se juntou a Summenhart na doutrina da intenção implícita, e foi ainda mais radical nas áreas onde Summenhart hesitou: lucrum cessans. A intenção implícita significava que, se alguém realmente acreditasse que seu contrato não era um empréstimo, então, não era usurário, embora pudesse ser um empréstimo na prática. É claro que isso abriu caminho para a eliminação prática da proibição da usura. Além disso, Caetano também se juntou a seus colegas liberais ao endossar o contrato de investimento garantido.

Mas a grande inovação do Cardeal Caetano sobre o fronte da usura foi sua vindicação do lucrum cessans. Empunhando a poderosa autoridade de ser o maior tomista desde o próprio Tomás de Aquino, Caetano ofereceu uma crítica ponto a ponto da rejeição de seu mestre a essa exceção à proibição da usura. Ele, então, reivindica, não todo o lucrum cessans, mas qualquer empréstimo aos homens de negócios. Assim, um emprestador pode cobrar juros sobre qualquer empréstimo como pagamento do lucro renunciado sobre outros investimentos, desde que o empréstimo seja a um homem de negócios. Essa divisão insustentável entre empréstimos a homens de negócios e consumidores foi feita pela primeira vez — como uma maneira de justificar todos os empréstimos comerciais. A justificativa era de que o dinheiro retinha seu alto valor de lucro-renunciado nas mãos dos negócios, mas não dos mutuários de empréstimos. Assim, pela primeira vez na era cristã, o Cardeal Caetano justificou o ramo de empréstimos de dinheiro, desde que fossem empréstimos para outros negócios. Antes dele, todos os escritores, até mesmo os mais liberais, até mesmo Conrad Summenhart, justificaram a cobrança de juros sobre lucrum cessans apenas para empréstimos ad hoc caritativos; agora o grande Caetano estava justificando o ramo de negócios de emprestar dinheiro a juros.

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