Como a tarifa do camarão saiu pela culatra

Tempo de Leitura: 6 minutos

》Por Aleksandra Dunaeva & Don Mathews

O grande Frederic Bastiat (1801-1850) ensinou que a riqueza pode ser obtida de duas maneiras: ela pode ser produzida ou pode ser saqueada. A produção é realizada por empresários. A pilhagem é frequentemente empreendida com a ajuda expressa do governo, tomando a forma de tarifas, impostos, subsídios e outras medidas intervencionistas justificadas como política de interesse público.

Mas os empresários não são facilmente impedidos pela intervenção do governo. Às vezes os empresários respondem de forma tão criativa que tornam a medida intervencionista quase inútil. Um exemplo clássico de resposta empresarial à pilhagem patrocinada pelo estado é o caso da tarifa antidumping americana sobre camarões importados.

A tarifa antidumping

Em 31 de dezembro de 2003, a Southern Shrimp Alliance (SSA)—uma organização de lobby representando pescadores e processadores de camarão em oito estados do sul—apresentou uma petição antidumping junto ao Departamento de Comércio contra importadores de camarão do Brasil, China, Equador, Índia, Tailândia e Vietnã. Os produtores americanos reclamaram serem vítimas de “dumping”—que estavam sendo expulsos dos negócios por produtores de camarões estrangeiros vendendo seus camarões no mercado americano a preços abaixo do custo de produção. A SSA apresentou a petição antidumping buscando proteção tarifária para os produtores americanos. [1]

Após um ano de investigação, o Departamento de Comércio determinou que os importadores de camarões dos seis países eram de fato culpados de e que o dumping havia causado “prejuízo material” aos produtores americanos. Em janeiro de 2005, o departamento impôs tarifas às importações de camarão dos seis países mencionados na petição. A estrutura tarifária não é simples: diferentes produtores de camarão em um mesmo país podem estar sujeitos a diferentes taxas tarifárias ad valorem, mas estas são as taxas tarifárias mais comuns em cada país: Equador, 3,58%; Tailândia, 5,95%; Brasil, 7,05%; Índia, 10,17%; Vietnã, 25,76%; e China, 112,81%. [2]

Esperava-se que a tarifa protegesse os produtores americanos reduzindo as importações de camarão e, consequentemente, elevando os preços do camarão domesticamente produzido. E como a tarifa afetou o mercado doméstico de camarão? De acordo com dados publicados pelo National Marine Fisheries Service (NMFS), as importações totais de camarão para os Estados Unidos aumentaram em 14% desde que a tarifa foi imposta, enquanto os preços domésticos de camarão diminuíram 9%. Além disso, as importações americanas de camarão dos seis países que foram alvo da tarifa aumentaram em quase 20% desde que foi imposta. Estes não foram os efeitos que a SSA, os produtores americanos e o Departamento de Comércio esperavam. O que aconteceu?

Resposta empreendedora: duas mudanças

Os formuladores de políticas frequentemente não conseguem entender quão complexa é a vida econômica. As pessoas não são máquinas cujo comportamento pode ser facilmente antecipado ou manipulado. As pessoas são espertas, engenhosas e propositadas. Elas respondem às mudanças nos incentivos econômicos. Isto é especialmente verdade para os empresários que estão sempre atentos às oportunidades do mercado, mesmo quando a intervenção do governo tenta fechar essas oportunidades. Os empresários buscam fendas e lacunas nas medidas intervencionistas, e muitas vezes encontram margens a explorar.

Os empresários responderam à tarifa do camarão de maneiras que os formuladores de políticas no Departamento de Comércio não anteciparam. Os compradores americanos de camarões importados, por exemplo, responderam mesmo antes de a tarifa estar oficialmente em vigor.

 As reivindicações de antidumping ao Departamento de Comércio possuem uma taxa de sucesso extremamente alta. Apesar das longas investigações, historicamente, o departamento quase sempre decidiu a favor do peticionário. Agora, suponha que você fosse proprietário de uma empresa americana fabricante de frutos do mar, e seu principal fornecedor de camarão congelado fosse uma empresa chinesa. Você fica sabendo que uma petição antidumping foi apresentada ao Departamento de Comércio, que muito provavelmente responderá impondo tarifas aos produtores estrangeiros de camarão em 6 países, incluindo o seu fornecedor. É provável que seu fornecedor aumente seus preços.

O que você pode fazer? Você pode comprar camarão de um fornecedor em um país que não é alvo da tarifa. Há muitos deles: as empresas americanas compram camarões de fornecedores em 44 países além dos 6 visados pela tarifa. Você esperaria até o Departamento de Comércio impor a tarifa antes de encontrar um novo fornecedor? O estabelecimento de laços sólidos e confiáveis com os fornecedores requer tempo e planejamento. Esperar até que o governo imponha a tarifa antes de encontrar um novo fornecedor só aumenta o custo. Por que esperar?

Muitos fabricantes americanos não esperaram. Eles começaram a trocar de fornecedores em 2004, enquanto o Departamento de Comércio estava investigando a petição antidumping, antes mesmo de determinar a imposição da tarifa.

Os dados do NMFS comprovam isso. Em 2003, as importações de camarão do Brasil, China, Equador, Índia, Tailândia e Vietnã totalizaram mais de 822 milhões de libras, representando 74% do total de importações de camarão. Em 2004, ano em que o Departamento de Comércio investigou a petição antidumping, as importações dos 6 países visados pela petição caíram 13%, para 712 milhões de libras, totalizando 62% do total de importações de camarão.

No entanto, o total das importações de camarão dos EUA aumentou de 1.112 milhões de libras em 2003 para 1.141 milhões de libras em 2004, um aumento de quase 3%. As importações de camarão de vários países não visados aumentaram drasticamente: as importações da Malásia aumentaram 880%, da Indonésia, 116%, e de Bangladesh, 113%. De modo geral, as importações de camarão dos países não visados pela petição antidumping aumentaram de 290 milhões de libras em 2003 para 429 milhões de libras em 2004, um aumento de 48%.

Os compradores de camarão dos EUA não foram os únicos participantes do mercado a responder à tarifa antidumping de forma criativa. Os produtores de camarão nos 6 países diretamente visados também responderam de forma engenhosa, de tal maneira  que os formuladores de políticas do Departamento de Comércio também não anteciparam.

Como mencionado anteriormente, o Departamento de Comércio impôs a tarifa antidumping em janeiro de 2005, e as importações totais de camarão dos 6 países aos quais a tarifa foi imposta aumentaram em vez de diminuir. Em 2005, as importações de camarão dos 6 países aumentaram para 744 milhões de libras, 4,5% a mais do que o total de 712 milhões de libras de 2004. Em 2006, as importações dos 6 saltaram 14,5%, para 851 milhões de libras.

Como isso aconteceu? Por que as importações de camarão dos 6 países diretamente visados aumentaram depois que a tarifa foi imposta a eles?

O camarão, afinal, não é um produto simples. Existem muitas espécies de camarões, e eles são processados e transportados em muitas formas diferentes. A tarifa antidumping não abarcou todas as espécies de camarão, nem todas as formas de produtos processados. Em particular, os produtos de valor agregado, tais como camarões empanados e refeições preparadas de camarão, estão isentos da tarifa.

Os dados do NMFS mostram que, enquanto os produtores de camarão no Brasil, Índia e Vietnã encontraram outros mercados para seus camarões (principalmente Europa e Japão), Equador e, especialmente, China e Tailândia mudaram sua produção para produtos de valor agregado que estão isentos da tarifa. As importações americanas de camarões empanados aumentaram 169%, de 36,5 milhões de libras para mais de 98 milhões de libras em 2005, e depois aumentaram outros 11% em 2006. As importações americanas de refeições preparadas de camarão aumentaram moderadamente em 2005, depois saltaram 40%, de 184 milhões de libras em 2005 para 257 milhões de libras em 2006. China e Tailândia representam agora 93% das importações americanas de camarões empanados e 75% das importações americanas de refeições preparadas de camarão.

Estas respostas criativas e engenhosas—compradores de camarão dos EUA mudando para novos fornecedores de camarão congelado e produtores estrangeiros alterando sua produção para produtos isentos—tornaram a tarifa antidumping ineficaz como um meio de proteger os produtores americanos (e prejudicar os fabricantes e consumidores de frutos do mar americanos). A tarifa permanece, no entanto, um meio eficaz de pilhagem.

Pilhagem

Quando a SSA apresentou sua petição antidumping em dezembro de 2003, estava em vigor uma lei norte-americana conhecida como a emenda Byrd (batizada em homenagem ao Senador Robert Byrd e formalmente chamada de Lei de Compensação de Dumping e Subsídios Continuados). Sob a emenda Byrd, o governo federal transferia todas as receitas arrecadadas com a tarifa antidumping para as partes que apresentaram a petição. Somente em 2006, apesar das respostas criativas dos compradores domésticos e dos produtores estrangeiros de camarão, a SSA recebeu 100 milhões de dólares sob a emenda Byrd. O dinheiro foi distribuído entre centenas de produtores domésticos.

A emenda Byrd foi revogada em fevereiro deste ano, mas isso não impediu a pilhagem. Com a ajuda de alguns onerosos advogados, a SSA apresentou um recurso especial ao Departamento de Comércio que ameaçou os produtores estrangeiros de camarão com tarifas mais extensas. A ação funcionou bem: mais de 100 fornecedores estrangeiros de camarão pagaram milhões de dólares à SSA em troca de sua promessa de retirar a petição. [3]

A SSA usou o dinheiro para pagar seus onerosos advogados, para pagar aos lobistas para reunir o apoio do governo ao setor e para pagar as despesas de escritório. Seus clientes—os produtores domésticos—não recebem nada. Assim, os beneficiários da tarifa do camarão não são mais os produtores domésticos, mas advogados e lobistas.

Um caso surpreendente?

A estranha reviravolta deste episódio de pilhagem protecionista não teria surpreendido Bastiat. Ele entendia que muitas facções da sociedade achariam irresistível usar o governo como um instrumento de pilhagem. Mas ele também entendia como compradores e vendedores criativos e engenhosos podem ser, e como as forças de mercado, lideradas por empresários, podem, às vezes, dominar a pilhagem patrocinada pelo estado.

Notas

[1] Para contexto e análise econômica do dumping, ver “The Fallacies of Shrimp Protectionism.”

[2] As especificidades das tarifas podem ser complexas e convolutas. As particularidades da tarifa antidumping sobre o camarão podem ser examinadas online em: http://www.ita.doc.gov/media/FactSheet/0105/shrimp_012605.html.

[3] “U.S. Shrimpers Haul Cash from Lower-Cost Rivals”, The Wall Street Journal, 2 de abril de 2007.

Texto original

https://mises.org/library/how-shrimp-tariff-backfired

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *