Ludwig von Mises e o Cálculo Econômico sob o Socialismo

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Por Murray Rothbard

[Retirado de Economic Controversies, seç. 6, cap. 44]

Aquilo que podemos chamar de versão “ortodoxa” – ou clássica – do famoso debate sobre o cálculo econômico sob o socialismo procede-se da seguinte forma:

Ludwig von Mises, o primeiro a abordar a questão do cálculo econômico socialista em 1920, alegou que o socialismo não poderia realizar o cálculo economicamente devido a ausência de um sistema de preços para os fatores de produção. Enrico Barone “em seguida” mostrou (o fato de ele ter feito doze anos mais cedo é atribuído à acidentes de tempo e tradução) que isso não era um problema teórico porque todas as equações existiam para uma solução. F. A. Hayek, então, recuou à uma segunda linha de ataques ao conceder a solução “teórica” do cálculo econômico em um Estado socialista, mas desafiando sua possibilidade “prática”. Finalmente, Oskar Lange, Abba Lerner e outros “demonstraram” a solução prática pelo avanço do conceito de socialismo de “mercado”, no qual o conselho de planejamento alcança os preços de compensação de mercado por tentativa e erro. Q.E.D. e o planejamento socialista tinha sido salvo, somado com uma homenagem irônica de Lange para Mises, por ter levantado um problema para Lange e outros socialistas resolverem. Se o registro real das economias comunistas é trazido à discussão, geralmente é feito como uma defesa das teses de Lange e Lerner na prática.

Deve ficar imediatamente claro que há diversos buracos nessa saga elegante e triunfal. Um exemplo é que o “socialismo de mercado” na Iugoslávia e nos outros países do Leste Europeu tinham nada a ver com o suposto “mercado” de Lange e Lerner; pois enquanto empresas na Iugoslávia se engajam em genuínos comércios e, portanto, em um genuíno sistema de preços, os conselhos de planejamento de Lange e Lerner deveriam ser os planejadores centrais que manipulam os preços como um serviço de contabilização puro e não permitiriam “mercados” de modo algum. Outro exemplo é que Barone, no curso de sua suposta solução “teórica” ao problema do cálculo econômico, ridicularizou ele mesmo a ideia de que o planejamento por meio de suas equações fosse de alguma forma viável, especialmente quando nós consideramos a contínua variabilidade econômica dos coeficientes técnicos envolvidos.[1]

Mas uma falha particularmente importante na história da ortodoxia é, como Hayek tentou deixar claro durante o debate, a curiosa disjunção entre o “teórico” e o “prático.” Não é simplesmente que Barone e seu mentor, Pareto, tenham ridicularizado a funcionalidade das equações teóricas sob o planejamento socialista. O mais importante é o ponto que Mises e Hayek estavam implicitamente atacando a relevância de todo o conceito de equilíbrio geral walrasiano do qual estas equações fluíam. Para Mises e Hayek, não há distinção entre “teórico” e “prático”; seguindo a tradição austríaca, uma teoria que viola a realidade prática é uma teoria inconsistente. O fato de que em um mundo imutável de perfeito conhecimento e equilíbrio geral, um conselho de planejamento socialista pudesse “resolver” as equações de preços e produção era, para Mises, uma demonstração pior do que inútil. Claramente, como Hayek desenvolveria mais tarde de forma extensa, se um completo conhecimento da realidade econômica é assumido como dado a todos, incluindo o conselho de planejamento, não há problema de cálculo ou, efetivamente, qualquer problema econômico, qualquer que seja o sistema econômico. A demonstração de Mises da impossibilidade do cálculo econômico sob o socialismo e da superioridade dos mercados privados dos meios de produção são aplicadas somente ao mundo real de incertezas, de mudança contínua e conhecimento disperso.

Em sua monumental Ação Humana, o tratado de 1949 que contém sua refutação final aos seus críticos socialistas, Mises enfatiza a esterilidade da abordagem matemática:

“Os economistas matemáticos […] formulam equações e traçam curvas que supostamente descrevem a realidade. Na verdade eles descrevem somente um hipotético e irrealizável estado de coisas, de nenhuma forma similar aos problemas catalácticos em questão. Eles substituíram por símbolos algébricos os determinados termos de dinheiro, como são usados no cálculo econômico, e acreditam que esse procedimento torna seu raciocínio mais científico.

Na construção imaginária de uma economia de rotação uniforme, todos os fatores de produção são empregados de tal forma que cada um deles oferece o  serviço mais valorado […] É, obviamente, possível descrever esse estado imaginário de alocação de recursos em equações diferenciais e observá-lo graficamente em curvas. Mas tais dispositivos não dizem nada a respeito do processo de mercado. Eles meramente traçam uma situação imaginária  na qual o processo de mercado deixaria de operar […]

Ambos os economistas lógicos e economistas matemáticos alegam que a ação humana, em última instância, visa estabelecer um determinado estado de equilíbrio e o alcançaria se todas as outras mudanças nos dados cessassem. Mas o economista lógico sabe muito mais que isso. Ele mostra como as atividades de homens empreendedores, os promotores e especuladores, anseiam lucrar com as discrepâncias na estrutura de preços, tendem a erradicar tais discrepâncias e, desse modo, tendem a obliterar as fontes de lucro e perda empreendedorial […] A descrição matemática de vários estados de equilíbrio é mero jogo. O problema é a análise dos processos de mercado.

Os problemas de análise de processo, i.e., os únicos problemas econômicos que importam, desafiam qualquer abordagem matemática.”[2]

No desenvolvimento dessa abordagem, Hayek se engajou em uma pesquisa crítica da alegação de Schumpeter de que o socialismo não padece de problemas de cálculo econômico, isso pois, segundo Schumpeter, os “consumidores, ao avaliar (‘demandar’) bens de consumo ipso facto, também avaliam os meios de produção”[3]. Hayek apontou, entretanto, que esse pequeno passo só seguiria:

“para uma mente em que todos esses fatos são simultaneamente conhecidos. […] O problema prático, entretanto, surge justamente porque esses fatos jamais são dados a uma única mente […] ao invés disso, nós devemos mostrar como uma solução é produzida por interações de pessoas que possuem apenas um conhecimento parcial.”

Hayek concluiu que:

“qualquer abordagem, tal qual a de muitos economistas matemáticos com suas equações simultâneas, que partem do pressuposto de que o conhecimento dos indivíduos corresponde aos fatos objetivos da situação, sistematicamente deixa de fora aquilo que é nossa tarefa principal explicar.”[4]

Prosseguindo para uma explícita refutação da abordagem de Lange e Lerner, Mises, no Ação Humana, ridicularizou a ideia de que os gestores socialistas poderiam ser instruídos à “brincar de mercado como crianças brincam de guerra, de trenzinho e ou de escola.” Mais especificamente, os socialistas eliminam a função crucial de participação acionária, alocação de capital e empreendedorismo em sua concentração no papel puramente gerencial:

“A falácia fundamental implícita nesta e em todas as outras propostas similares é que eles viram o problema econômico da perspectiva dos funcionários que não estendem seu horizonte de conhecimento além de suas tarefas subordinadas. Eles consideram a estrutura da produção industrial e a alocação de capital aos vários ramos da economia e a produção de agregados como imutáveis, eles não levaram em conta a necessidade da mudança nessas estruturas para se ajustarem às mudanças das condições em que se encontram. O que eles tinham em mente era um mundo em que não houvesse mudança, e que a história da economia chegasse em seu estado final. Eles falharam em concluir que a operação […] dos gestores, suas compras e vendas, são apenas um pequeno segmento da totalidade das operações do mercado. O mercado da sociedade capitalista também realiza todas aquelas operações que alocam os bens de capital aos vários ramos da indústria. Os empreendedores e capitalistas estabelecem corporações e outras empresas, aumentam ou reduzem seu tamanho, dissolvem-nas ou realizam fusões com outros empreendimentos; eles compram e vendem os títulos e ações de corporações novas ou já existentes; eles concedem, retiram e recuperam créditos; em resumo, eles administram todas essas ações cuja totalidade é chamada de mercado de capital e financeiro. São essas transações financeiras de promotores e especuladores que direcionam a produção nesses canais que satisfazem as mais urgentes necessidades dos consumidores da melhor forma possível […]

O papel que o fiel gestor da corporação assume na conduta dos negócios é […] somente uma função administrativa, uma assistência subsidiária concedida aos empreendedores e capitalistas […] Isso nunca poderá substituir a função empresarial. Os especuladores, promotores, investidores e financiadores, determinando a estrutura de ações, comércio de commodities e o mercado financeiro, circunscrevem a órbita à qual tarefas menores podem ser confiadas às decisões do gestor […]

O sistema capitalista não é administrativo, mas empresarial […] Ninguém jamais sugeriu que a comunidade socialista pudesse convidar promotores e especuladores a continuar suas especulações e então entregar seus lucros aos cofres públicos. Aqueles que sugeriram um quase-mercado ao sistema socialista nunca quiseram preservar o mercado de ações ou o comércio de commodities, as negociações no futuro, os banqueiros ou financiadores […] Não se pode brincar de especulação e investimento. Os especuladores e investidores arriscam sua própria saúde, seu próprio destino. Esse fato os faz responsável pelo destino dos consumidores […] Se os aliviarmos dessa responsabilidade, eles serão privados de suas próprias qualidades características.[5]

Mises também refutou a ideia de que um conselho de planejamento socialista alcançaria os preços corretos pela tentativa e erro, através da compensação de mercado. Embora isso possa ser feito para bens de consumo já produzidos, para os quais um mercado presumivelmente continue a existir, seria precisamente impossível no campo dos bens de capital, onde não haveria um mercado genuíno; por isso qualquer espécie de decisão racional sobre os tipos e quantidades  de produção de capital e de bens de consumo não poderiam ser feitas. Em poucas palavras, o processo de tentativa e erro funciona no mercado porque o aviso de lucro e prejuízo comunicam sinais vitais aos empreendedores, ao passo em que tais apreensões de lucro e prejuízo não poderiam ser feitas na ausência de um mercado real para os fatores de produção.

Uma tentativa comum de refutar Mises tinha sido simplesmente o levantamento empírico da existência de um planejamento central na União Soviética e em outros Estados comunistas. Mas, em primeiro lugar, esse argumento é uma faca de dois gumes, (1) por causa das gritantes falhas do comunismo no início da guerra, em sua abolição do mercado, e (2) porque as evidentes falhas e quebras do planejamento central levaram os países comunistas no Leste Europeu, especialmente a Iugoslávia, a rapidamente se afastarem do socialismo em direção a uma genuína economia de mercado, e não a uma pseudo economia de mercado de Lange e Lerner. Mas, acima de tudo, Mises apontou que a União Soviética e outros países socialistas não são totalmente socialistas, uma vez que eles ainda operam em um ambiente mundial de mercado e são capazes de usar o capital mundial e os preços das commodities como base para o cálculo econômico.[6] Que os planejadores comunistas baseiam seus cálculos em um mundo de preços de mercado é, agora, comumente reconhecido e ilustrado por um cômico encontro do professor Peter Wiles com os planejadores comunistas da Polônia:

“O que realmente acontece é que os “preços mundiais”, isto é, os preços capitalistas mundiais, são usados em todo comércio intrabloco. Eles são traduzidos em rublos e lançados em contas de compensação bilaterais. Para a pergunta ‘O que você faria se não houvesse um mundo capitalista?’ veio apenas a seguinte resposta: ‘Nós iremos cruzar essa ponte quando nós chegarmos lá’. No caso da eletricidade, a ponte já está sob seus pés: teria sido bem difícil dar um preço  ela se não houvesse um mercado mundial”[7]

Os seguidores de Mises no debate continuaram a desenvolver sua crítica básica da impossibilidade do cálculo econômico sob o socialismo. Assim, a tentativa Lange e Lerner de um critério de precificação de acordo com o “custo marginal” foi atacada com base no que são, essencialmente, os fundamentos austríacos, ou seja, que custos não são “dados” e objetivos, mas são estimativas subjetivas de vários indivíduos de preços de venda futuro  e outras condições econômicas. Dessa forma, Hayek explica que:

“[…] a excessiva preocupação com as condições de um hipotético estado estacionário de equilíbrio levou a economia moderna […] à atribuir à noção de custos em geral uma precisão e definição muito maiores do que realmente pode ser atribuído à qualquer fenômeno de custos na vida real […] Tão logo deixamos o campo de […] um estado estacionário e consideramos um mundo onde a maioria dos meios de produção são produtos de processos particulares que provavelmente nunca serão repetidos; onde, em virtude de incessantes mudanças, o valor da maioria dos mais duráveis instrumentos de produção tem pouca ou nenhuma conexão com os custos que haviam sido incorridos em sua produção, dependendo somente dos serviços que se espera que prestem no futuro, a questão de quais são exatamente os custos de produção de um dado produto é uma questão de extrema dificuldade que não pode ser respondida […] sem antes ser feito algumas suposições quanto aos preços dos produtos em cujo fabrico os mesmos instrumentos serão usados. Muito do que é normalmente denominado custo de produção não é realmente um elemento de custo que é dado independentemente do preço do produto, mas um quase-aluguel, ou uma cota de depreciação que tem de ser permitida no valor capitalizado dos quase-aluguéis esperados, está, portanto, dependente dos preços que se espera que prevaleçam.”[8]

Em outro local, Hayek acrescentou que Lange e outros:

[…] falam sobre ‘custos marginais’ com se eles fossem independentes do período ao qual o gerenciador pode planejar. Os custos reais claramente dependem, em muitos casos, tanto quanto qualquer coisa, da compra no momento certo. Em nenhum sentido pode ser dito que os custos durante qualquer período dependem somente dos preços durante aquele período. Eles dependem tanto de se estes preços foram corretamente previstos como dos pontos de vista que se têm sobre os preços futuros .”[9]

E Paul Craig Roberts, enquanto escreve geralmente de uma perspectiva diferente, aponta que:

“[…] sob as condições do mundo real caracterizadas pela passagem do tempo, a regra marginal não dá uma clara orientação àqueles que se dirigem a organizar a produção em acordo com ela. Introduzir o elemento do tempo traz incerteza, requerendo o exercício do julgamento. Nem incerteza e tampouco o julgamento estão presentes na formulação da competição perfeita da qual Lange tirou sua ideia de regra marginal.”[10]

Além disso, a excelente crítica do custo marginal, bem como de outras regras autoritárias impostas ao empreendedor vieram de G.F. Thirlby, que apontou que os custos estão envolvidos inerentemente nas estimativas subjetivas dos capitalistas individuais e empreendedores com diversas escolhas que são abstidas, e uma vez que tais alternativas geralmente nunca são intentadas, elas nunca poderão ser “objetivamente” determinadas por observadores de fora.[11]

A crítica subjetivista austríaca da concepção moderna de custos e sua relevância à questão do cálculo econômico sob o socialismo são cuidadosamente resumidos pelo professor Buchanan:

“Uma confusão emerge […] quando as propriedades de equilíbrio, como definidas pelos mercados, são transferidas como critério de otimização em cenários de não mercado ou de políticas. É aqui que a distinção crítica entre o equilíbrio de um tomador de decisões isolado e o que é alcançado através das interações de mercado, a distinção salientada por Hayek, é absolutamente essencial. […] A teoria da interação social, da adaptação mútua entre os planos de seres humanos separados, é diferente da teoria de planejamento, a maximização de alguma função objetiva por um ser onisciente idealizado. O último é equivalente, em todos os aspectos, aos problemas encontrados por Crusoé ou por qualquer indivíduo tomador de decisão. Mas isso não é a teoria de mercados, é um pensamento artificial e basicamente falso que faz parecer ser. […] Os preços sombra não são preços de mercado, os custos de oportunidade que informam as decisões de mercado não são aquelas que informam as escolhas até mesmo do planejador onisciente. Esses parecem ser idênticos somente por causa da falsa objetificação das magnitudes em questão […]

Simplesmente considerado, o custo é o obstáculo ou barreira da escolha, tal qual deve ser superado antes que a escolha seja feita. O custo está do lado de baixo da moeda, por assim dizer, o custo é a alternativa deslocada, a oportunidade rejeitada. O custo é aquilo que o tomador de decisões sacrifica ou desiste quando ele seleciona uma das escolhas dentre as múltiplas outras. O custo consiste, portanto, em sua própria avaliação de prazer ou utilidade que ele antecipa, tendo que renunciar por sua própria escolha. Existem implicações específicas a serem extraídas a partir dessa definição de escolha limitada de custo de oportunidade.

1. Um custo deve ser assumido exclusivamente pelo indivíduo que faz as decisões; não é possível o custo ser transferido ou imposto a outrem.

2. O custo é subjetivo; ele existe somente na mente do tomador de decisões ou daquele que escolhe.

3. O custo é baseado em antecipações; ele é necessariamente um conceito prospectivo ou ex ante.

4. O custo nunca pode ser percebido devido ao fato de que a escolha é feita; a alternativa que é rejeitada nunca pode ser desfrutada.

5. Um custo não pode ser mensurado por ninguém além do tomador de decisões uma vez que a experiência mental subjetiva não pode ser diretamente observada.

Em qualquer teoria geral de escolha, o custo deve ser considerado como uma utilidade e não como uma mercadoria. Disso se segue que a oportunidade de custo envolvida na escolha não pode ser observada, objetificada e, o mais importante, não pode ser mensurada de tal forma que permita a comparação entre cenários de escolha totalmente diferentes. O custo da maximização da utilidade enfrentado por um proprietário de uma empresa, o valor que ele antecipa renunciando a escolha de produzir um incremento para o produção atual, não é o custo da maximização da utilidade enfrentado por um burocrata que administra uma empresa pública, mesmo se os aspectos físicos das duas empresas forem respectivamente idênticos.”[12]

Aqui há uma área vital, mas negligenciada, onde a análise de Mises do cálculo econômico precisa ser expandida. Pois, em um sentido mais profundo, a teoria não é sobre o socialismo de forma alguma! Em vez disso, ela se aplica a qualquer situação onde um grupo tem controle sobre os meios de produção sobre uma grande área – ou, em sentido estrito, em todo o mundo. Nesse aspecto particular do socialismo, não importa se essa unidade de controle veio através da expropriação coercitiva do socialismo ou por um processo voluntário em um livre mercado. Pois o que a teoria de Mises enfoca não é simplesmente as numerosas ineficiências do processo político em comparação ao lucro do processo de mercado, mas também o fato de um mercado de bens de capital ter desaparecido. Isso significa que, assim como o planejamento central socialista não pode efetuar o cálculo econômico, nenhuma Grande Empresa pode ser dona ou controlar a economia inteira. A análise de Mises de aplica a qualquer situação onde um mercado de bens de capital desapareceu em uma  economia industrial complexa, seja por causa do socialismo ou por causa de uma grande concentração dentro de uma Grande Empresa ou um Grande Cartel.

Se esse acréscimo está correto, então a análise de Mises também nos fornece a resposta à velha crítica levantada à desimpedida e desregulada economia de mercado: e se todas as empresas se juntassem em uma Grande Empresa que exercesse um monopólio sobre a economia que fosse equivalente ao socialismo? A resposta seria que tal empresa não poderia efetuar o cálculo econômico devido a ausência de mercado, portanto ela sofreria graves prejuízos e desorganizações. Desse modo, enquanto um conselho de planejamento socialista não precisa se preocupar com prejuízos que seriam arcados pelos pagadores de impostos, a Grande Empresa encontrar-se-ia sufocada por severas perdas e se desintegraria sob esse peso. Nós poderíamos estender essa análise ainda mais. Disso parece se seguir que, conforme nos aproximamos de uma Grande Empresa no mercado, à medida em que as fusões comecem a eliminar o mercado de bens de produção indústria após indústria, esse problema de cálculo econômico começaria a aparecer, embora não tão catastrófico como sob um monopólio total. Do mesmo modo, a União Soviética sofreu com o problema do cálculo econômico, apesar de não ter sido tão severo quanto seria se o mundo inteiro fosse absorvido na União Soviética, com o desaparecimento do mercado mundial. Se, então, problemas no cálculo econômico começam a surgir conforme o mercado desaparece, isso impõe um limite ao livre mercado, não simplesmente sobre a Grande Empresa, mas também aos monopólios parciais que erradicarem o mercado. Portanto, o livre mercado contém dentro de si mesmo um mecanismo que limita o tamanho relativo das empresas a fim de preservar os mercados por toda a economia. Esse ponto também serve para estender a notável análise do professor Coase sobre os determinantes de mercado do tamanho de uma empresa, ou da extensão relativa do planejamento corporativo dentro de uma empresa aversa ao uso de trocas e mecanismo de preços. Coase apontou que aqui há a diminuição de benefícios e aumento de custos para cada uma dessas duas alternativas, resultando, como ele apontou, em uma “quantidade ótima de planejamento” no sistema de livre mercado[13]. Nossas teses acrescentam que os custos de planejamento corporativo interno tornam-se proibitivos tão logo o mercado de bens de capital começa a desaparecer, de modo que o livre mercado ótimo sempre ficará aquém não somente de uma Grande Empresa em todo o mercado mundial, mas também do desaparecimento de quaisquer mercados específicos e, portanto, do cálculo econômico nesse produto ou recurso. Coase constatou que a importante diferença entre o planejamento sob o socialismo e o planejamento dentro das empresas no livre mercado é que o primeiro “é imposto à indústria, já as empresas surgem voluntariamente pois elas representam um método mais eficiente de organizar a produção”[14]. Se nossa visão está correta, então esse grau ótimo de planejamento do livre mercado também contém em si uma salvaguarda contra a eliminação dos mercados, o que é vital para o cálculo econômico.

Na verdade, nós podemos retornar a questão aos socialistas: se o planejamento central é mais eficiente que, ou mesmo tão eficiente quanto, a economia de livre mercado, então porque o planejamento central nunca veio a existir através da criação de uma Grande Empresa pelo processo voluntário do mercado? O fato da Grande Empresa nunca ter surgido no mercado e ser necessário a coercitividade estatal para a aplicação do planejamento central demonstra que esse último jamais será o método mais eficiente de organizar a economia.[15]

Em nossa forma expandida, então, não somente o insight de Misesa respeito da irracionalidade do socialismo em uma economia industrial está confirmado, mas o mesmo ocorre com a auto-subsistência e a otimização e a racionalidade contínuas da economia de livre mercado.


[1] Veja Enrico Barone, “The Ministry of Production in the Collectivist State,” em Collectivist Economic Planning, F.A. Hayek, ed. (Londres: George Routledge and Sons, 1935), p. 286. Veja também Trygve J.B. Hoff, Economic Calculation in the Socialist Society (Londres: William Hodge, 1949), pp. 140–43.

[2] Ludwig von Mises, Human Action (Chicago: Henry Regnery, 1966), pp. 353–56.

[3] Joseph A. Schumpeter, Capitalism, Socialism, and Democracy (New York: Harper and Bros., 1942), p. 175.

[4] F.A. Hayek, Individualism and Economic Order (Chicago: University of Chicago Press, 1948), pp. 90–91.

[5]  Mises, Human Action, pp. 707–09. Veja também Dominick T. Armentano, “Resource Allocation Problems under Socialism,” em Theory of Economic Systems, W.P. Snavely, ed. (Columbus, Ohio: Charles E. Merrill, 1969), pp. 127–39. Sobre a importância do mercado de ações numa economia de livre mercado, veja Ludwig M. Lachmann, Capital and Its Structure (London: London School of Economics and Political Science, 1956), pp. 67–71.

[6] Sobre países socialistas operando dentro de um mundo de mercado, veja Mises, Human Action, pp. 698–99. Sobre a rápida repartição da Guerra do Comunismo, veja Boris Brutzkus, Economic Planning in Soviet Russia (Londres: George Routledge and Sons, 1935); e Paul Craig Roberts, Alienation and the Soviet Economy (Albuquerque: University of New Mexico Press, 1971), pp. 20–47.

[7] P.J.D. Wiles, “Changing Economic Thought in Poland” Oxford Economic Papers 9 (Junho, 1957): 202–03.

[8]  F.A. Hayek, “The Present State of the Debate,” em Collectivist Economic Planning, pp. 226–27.

[9] Hayek, Individualism and Economic Order, p. 198.

[10] Roberts, Alienation and the Soviet Economy, p. 97.

[11] G.E. Thirlby, “The Rule?’ em L.S.E. Essays on Cost, James M. Buchanan and G.E. Thirlby, eds. (Londres: London School of Economics and Political Science, 1973), pp. 163–200.

[12] James M. Buchanan, “Introduction: L.S.E. Cost Theory in Retrospect,” in L.S.E. Essays on Cost, pp. 4–5, 14–15.

[13] Ronald H. Coase, “The Nature of the Firm,” Economica 4 (Novembro, 1937): 384–405; reimpresso na American Economic Association, Readings in Price Theory (Homewood, Ill.: Richard D. Irwin, 1952), p. 335n.

[14] Ibid.

[15] Veja Murray N. Rothbard, Man, Economy, and State (Los Angeles: Nash, 1970), vol. 2, pp. 547–50, 585.

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