O Manto da Ciência

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Por Murray N. Rothbard

[Texto retirado do livro Economic Controversies, traduzido por Alex Pereira de Souza e revisado por dkwolf]

Na nossa apropriada condenação do cientificismo no estudo do homem, não deveríamos cometer o erro de dispensar também a ciência. Pois, se o fizermos, creditamos o cientificismo demais e aceitamos ao pé da letra a reivindicação de que é um, e o único, método científico. Se o cientificismo for, como acreditamos que é, um método inadequado, então não pode realmente ser científico. Ciência, no fim das contas, significa scientia, conhecimento correto; é mais velho e sábio do que a tentativa positivista-pragmática de monopolizar o termo.

O cientificismo é a tentativa profundamente não científica de transferir acriticamente a metodologia das ciências físicas ao estudo da ação humana. Ambos os campos de inquérito precisam, isso é verdade, ser estudados pelo uso da razão — a identificação da realidade pela mente. Mas então, isso se torna crucialmente importante, na razão, não negligenciar o atributo crítico da ação humana: que, sozinho na natureza, os seres humanos possuem uma consciência racional. Pedras, moléculas e planetas não podem escolher seus cursos; seus comportamentos são estritamente e mecanicamente determinados para eles. Apenas seres humanos possuem livre arbítrio e consciência: pois eles são conscientes e podem, e em verdade precisam, escolher o curso de ação deles.[1] Ignorar esse fato primordial sobre a natureza do homem — ignorar sua volição, seu livre-arbítrio — é construir erroneamente os fatos da realidade e, consequentemente, ser profundamente e radicalmente não científico.

A necessidade do homem de escolher significa que, a qualquer dado momento, ele está agindo para trazer ao ser um fim no futuro imediato ou distante, isto é, que ele tem propósitos. Os passos que ele dá para alcançar seus fins são seus meios. O homem nasce sem nenhum conhecimento inato de quais fins escolher ou de como usar quais meios para atingi-los. Sem ter conhecimento inato de como sobreviver e prosperar, ele precisa aprender quais fins e meios adotar, e é passível de cometer erros no caminho. Mas apenas sua mente racional pode mostrá-lo suas metas e como atingi-las. Já começamos a construir os primeiros blocos do edifício muito célebre das verdadeiras ciências do homem — e todos eles estão fundados sobre o fato da volição do homem.[2] Sobre o fato formal de que o homem usa meios para atingir fins fundamos a ciência da praxiologia, ou economia; psicologia é o estudo de como e por que o homem escolhe o conteúdo de seus fins; tecnologia nos diz quais meios concretos levarão a fins variados; e a ética emprega todos os dados das várias ciências para guiar o homem rumo aos fins que ele deve visar atingir e portanto, por imputação, para seus meios adequados. Nenhuma dessas disciplinas pode fazer qualquer sentido que seja sobre premissas cientísticas. Se homens são como pedras, se eles não são seres com propósitos e não se empenham para fins, então não há qualquer economia, psicologia, ética, tecnologia, ou qualquer ciência do homem.

O Problema do Livre-Arbítrio

Antes de prosseguir adiante, precisamos parar para considerar a validade do livre-arbítrio, pois é curioso que o dogma determinista tenha sido aceito como a única posição científica. E enquanto muitos filósofos demonstraram a existência do livre-arbítrio, o conceito tem raramente sido aplicado às “ciências sociais”.

Em primeiro lugar, cada ser humano sabe universalmente pela introspecção que ele escolhe. Os positivistas e behavioristas podem zombar da introspecção o quanto quiserem, mas permanece verdadeiro que o conhecimento introspectivo de um homem consciente — de que ele é consciente e age — é um fato da realidade. O que, em verdade, os deterministas têm a oferecer para se opor aos fatos introspectivos? Apenas uma analogia ruim e errônea das ciências físicas. É verdade que toda matéria sem mente é determinada e sem propósito. Mas é altamente inapropriado, e ademais uma petição de princípio, aplicar, simples e acriticamente, o modelo da física ao homem.

Por que, em verdade, deveríamos aceitar o determinismo na natureza? A razão pela qual dizemos que coisas são determinadas é que toda coisa existente precisa ter uma existência específica. Tendo uma existência específica, ela precisa ter certos atributos delimitáveis, definíveis e definidos, isso é, toda coisa precisa ter uma natureza específica. Todo ser, então, pode actuar ou se comportar apenas de acordo com sua natureza, e qualquer dois seres podem interagir apenas de acordo com suas respectivas naturezas. Portanto, as ações de cada ser são causadas, e determinadas, por sua natureza.[3]

Mas enquanto a maioria das coisas não têm consciência e, portanto, não perseguem objetivos, é um atributo essencial da natureza do homem que ele tenha consciência e, portanto, que suas ações sejam determinadas pelo seu si-mesmo através das escolhas que sua mente faz.

Na melhor das hipóteses, a aplicação do determinismo ao homem é apenas uma agenda para o futuro. Depois de vários séculos de proclamações arrogantes, nenhum determinista apareceu com algo como uma teoria que determine todas as ações dos homens. Certamente, o ônus da prova precisa recair sobre aquele que avança uma teoria, particularmente quando a teoria contradiz as impressões primárias do homem. Certamente podemos, no mínimo, dizer aos deterministas para ficarem quietos até que possam oferecer suas determinações—incluindo, é claro, suas determinações antecipadas de cada uma de nossas reações à sua teoria determinante. Mas há muito mais que pode ser dito. Pois o determinismo, conforme aplicado ao homem, é uma tese auto-contraditória, uma vez que o homem que o emprega confia implicitamente na existência do livre arbítrio.

Se somos determinados nas ideias que aceitamos, então X, o determinista, está determinado a acreditar no determinismo, enquanto Y, aquele que acredita no livre arbítrio, também está determinado a acreditar em sua própria doutrina. Visto que a mente do homem, de acordo com o determinismo, não é livre para pensar e chegar a conclusões sobre a realidade, é absurdo para X tentar convencer Y ou qualquer outra pessoa da verdade do determinismo. Em suma, o determinista precisa confiar, para a disseminação de suas ideias, nas escolhas não-determinadas e de livre arbítrio dos outros, no livre arbítrio deles para adotar ou rejeitar ideias[4]. Da mesma forma, as várias marcas de deterministas — behavioristas, positivistas, marxistas e assim por diante — implicitamente reivindicam isenção especial para si mesmas de seus próprios sistemas determinados.[5] Mas se um homem não pode afirmar uma proposição sem empregar sua negação, ele não está apenas preso em uma auto-contradição inextricável; ele está concedendo à negação o status de um axioma.[6]

Uma autocontradição corolária: os deterministas professam ser capazes, algum dia, de determinar quais serão as escolhas e ações do homem. Mas, em seus próprios fundamentos, seu próprio conhecimento dessa teoria determinante é determinado. Como então eles podem aspirar a conhecer tudo, se a extensão de seu próprio conhecimento é em si determinada e, portanto, arbitrariamente delimitada? De fato, se nossas ideias são determinadas, então não temos como revisar livremente nossos julgamentos e aprender a verdade—seja a verdade do determinismo ou de qualquer outra coisa.[7]

Portanto, o determinista, para advogar sua doutrina, precisa colocar a si mesmo e a sua teoria fora do suposto reino universalmente determinado, isto é, precisa empregar o livre arbítrio. Essa dependência, do determinismo, em sua negação é um exemplo de uma verdade mais ampla: que é autocontraditório usar a razão em qualquer tentativa de negar a validade da razão como meio de obter conhecimento. Essa autocontradição está implícita em sentimentos atualmente em voga como “a razão nos mostra que a razão é fraca” ou “quanto mais sabemos, mais sabemos quão pouco sabemos”.[8]

Alguns podem retrucar que o homem não é realmente livre porque precisa obedecer às leis naturais. Dizer que o homem não é livre porque não é capaz de fazer qualquer coisa que possa desejar, entretanto, confunde livridade e poder.[9] É claramente absurdo empregar como uma definição de “livridade” o poder de uma entidade de realizar uma ação impossível, de violar sua natureza.[10]

Deterministas frequentemente insinuam que as ideias de um homem são necessariamente determinadas pelas ideias de outros, da “sociedade.” No entanto, A e B podem ouvir a mesma ideia sendo proposta; A pode adotá-la como válida, enquanto B não. Cada homem, portanto, tem a livre escolha de adotar ou não uma ideia ou valor. É verdade que vários homens podem adotar acriticamente as ideias de outros; ainda assim, esse processo não pode regredir infinitamente. Em algum momento a ideia foi originada, isto é, a ideia não foi tirada de outros, mas se chegou nela através de alguma mente independente e criativamente. Isso é logicamente necessário para qualquer dada ideia. A “sociedade”, portanto, não pode ditar ideias. Se alguém cresce em um mundo onde as pessoas geralmente acreditam que “todos os ruivos são demônios”, ele é livre, à medida que cresce, para repensar o problema e chegar a conclusões diferentes. Se isso não fosse verdade, as ideias, uma vez adotadas, nunca poderiam ter sido alteradas.

Concluímos, portanto, que a verdadeira ciência decreta o determinismo para a natureza física e o livre arbítrio para o homem, e pela mesma razão: que toda coisa precisa agir de acordo com sua natureza específica. E visto que os homens são livres para adotar ideias e agir de acordo com elas, nunca são eventos ou estímulos externos à mente que causam suas ideias; em vez disso, a mente adota livremente ideias sobre eventos externos. Um selvagem, uma criança e um homem civilizado irão, cada um, reagir de maneiras totalmente diferentes à visão do mesmo estímulo —  seja uma caneta-tinteiro, um despertador, ou uma metralhadora, pois cada mente tem ideias diferentes sobre as qualidades e o significado do objeto.[11] Portanto, nunca mais digamos que a Grande Depressão dos anos 1930 fez com que os homens adotassem o socialismo ou o intervencionismo (ou que a pobreza faz com que as pessoas adotem o comunismo). A depressão existiu, e os homens foram movidos a pensar sobre esse evento marcante; mas que eles adotaram o socialismo ou seu equivalente como a saída não foi determinado pelo evento; eles poderiam muito bem ter escolhido o laissez-faire ou o budismo ou qualquer outra solução tentada. O fator decisivo foi a ideia que o povo optou por adotar.

O que levou as pessoas a adotar ideias particulares? Aqui o historiador pode enumerar e ponderar vários fatores, mas ele precisa sempre parar na livridade última da vontade. Assim, em qualquer dada questão, uma pessoa pode decidir livremente entre pensar sobre um problema de forma independente ou aceitar acriticamente as ideias oferecidas por outros. Certamente, a maior parte das pessoas, especialmente em matérias abstratas, escolhe seguir as ideias oferecidas pelos intelectuais. Na época da Grande Depressão, havia uma série de intelectuais oferecendo o placebo do estatismo ou do socialismo como uma cura para a depressão, enquanto muito poucos sugeriam o laissez-faire ou a monarquia absoluta.

A realização de que as ideias, livremente adotadas, determinam as instituições sociais, e não vice-versa, ilumina muitas áreas críticas do estudo do homem. Rousseau e sua hoste de seguidores modernos, que afirmam que o homem é bom, mas corrompido por suas instituições, devem finalmente definhar sob a pergunta: E quem, senão os homens, criou essas instituições? A tendência de muitos intelectuais modernos de adorar o primitivo (também o infantil — especialmente a criança “progressivamente” educada —, a vida “natural” do nobre selvagem dos mares do Sul e assim por diante) tem talvez as mesmas raízes. Também nos dizem repetidamente que as diferenças entre tribos e grupos étnicos amplamente isolados são “determinadas culturalmente”: a tribo Y sendo inteligente ou pacífica por causa de sua cultura X; tribo Y, fátua ou guerreira por causa da cultura Y. Se percebermos plenamente que os homens de cada tribo criaram sua própria cultura (a menos que assumamos sua criação por algum deus ex machina místico), veremos que essa “explicação” popular não é melhor do que explicar as propriedades indutoras de sono do ópio por seu “poder dormitivo”. Em verdade, é pior, porque acrescenta o erro do determinismo social.

Será, sem dúvidas, acusado que essa discussão do livre arbítrio e determinismo é “unilateral” e que deixa de fora o alegado fato de que toda a vida é multicausal e interdependente. Precisamos não esquecer, entretanto, que o próprio objetivo da ciência é a explicação mais simples de fenômeno mais amplo. Nesse caso, somos confrontados com o fato de que logicamente só pode haver um soberano último sobre as ações de um homem: ou seu próprio livre arbítrio ou alguma causa externa a ele. Não há outra alternativa, não há meio-termo e, portanto, o ecletismo da moda dos estudos modernos precisa, neste caso, ceder às duras realidades da Lei do Terceiro Excluído.

Se o livre arbítrio foi vindicado, como podemos provar a existência da própria consciência? A resposta é simples: provar significa tornar evidente algo ainda não evidente. No entanto, algumas proposições podem já ser evidentes para o si-mesmo, isto é, evidente-ao-si.[12] Um axioma evidente-ao-si, como indicamos, será uma proposição que não pode ser contradita sem empregar o próprio axioma na tentativa. E a existência da consciência não é apenas evidente para todos nós através da introspecção direta, mas também é um axioma fundamental, pois o próprio ato de duvidar da consciência precisa ser performado por uma consciência.[13] Assim, o behaviorista que rejeita a consciência por dados de laboratório “objetivos” precisa contar com a consciência de seus associados de laboratório para relatar os dados a ele.

A chave para o cientificismo é a negação da existência da consciência e da vontade individual.[14] Isso assume duas formas principais: aplicando analogias mecânicas das ciências físicas para indivíduos e aplicando analogias organísmicas a tais todos coletivos fictícios como “sociedade”. O último curso atribui consciência e vontade, não a indivíduos, mas a alguns todos coletivos orgânicos dos quais o indivíduo é meramente uma célula determinada. Ambos os métodos são aspectos da rejeição da consciência individual.

As falsas analogias mecânicas do cientificismo

O método cientificista no estudo do homem é quase inteiramente montado com analogias das ciências físicas. Seguem algumas das analogias mecanicistas comuns.

Homem como Servomecanismo: Assim como Bertrand Russell, um dos líderes do cientificismo, inverte a realidade atribuindo determinismo aos homens e livre arbítrio às partículas físicas, também se tornou recentemente moda dizer que as máquinas modernas “pensam”, enquanto o homem é meramente uma forma complexa de máquina, ou “servomecanismo.”[15] O que é negligenciado aqui é que as máquinas, não importa quão complexas sejam, são simplesmente dispositivos feitos pelo homem para servir aos propósitos e objetivos do homem; suas ações são predefinidas por seus criadores, e as máquinas nunca podem agir de qualquer outra maneira ou repentinamente adotar novos objetivos e agir de acordo com eles. Elas não podem fazer isso, finalmente, porque as máquinas não estão vivas e, portanto, certamente não estão conscientes. Se os homens são máquinas, por outro lado, então os deterministas, além de responder à crítica acima, precisam responder à pergunta: quem criou os homens e para qual propósito? —uma pergunta um tanto embaraçosa para os materialistas responderem.[16]

Engenharia Social: esse termo implica que os homens não são diferentes das pedras ou de outros objetos físicos e, portanto, que eles devem ser projetados e remodelados da mesma forma que os objetos por engenheiros “sociais”. Quando Rex Tugwell escreveu seu famoso poema durante os dias de descarga do New Deal:

Reuni minhas ferramentas e meus gráficos,
Meus planos estão concluídos e são práticos.
Vou arregaçar minhas mangas — fazer a América de novo,

é de se perguntar se seus admiradores leitores pensavam estar entre os engenheiros diretores ou entre a matéria bruta que seria “refeita”.[17]

Construção de modelos: a economia e, recentemente, as ciências políticas, têm sido afetadas por uma praga de “construção de modelos.”[18] As pessoas não constroem mais teorias; elas “constroem” modelos de sociedade ou economia. No entanto, ninguém parece notar a inaptidão peculiar do conceito. Um modelo de engenharia é uma réplica exata, em miniatura, isto é, em proporção quantitativa exata, das relações existentes na estrutura dada no mundo real; mas os “modelos” da teoria econômica e política são simplesmente algumas equações e conceitos que, na melhor das hipóteses, poderiam apenas aproximar algumas das numerosas relações na economia ou na sociedade.

Medição: o lema original da Sociedade Econométrica era “Ciência é medição”, esse ideal tendo sido transferido intacto das ciências naturais. As tentativas desvairadas e vãs de medir magnitudes psíquicas intensivas na psicologia e na economia desapareceriam se fosse percebido que o próprio conceito de medição implica a necessidade de uma unidade extensiva objetiva para servir como uma medida. Mas as magnitudes na consciência são necessariamente intensivas e, portanto, não capazes de medição.[19]

Método Matemático: não apenas a medição, mas o uso da matemática em geral nas ciências sociais e na filosofia hoje, é uma transferência ilegítima da física. Em primeiro lugar, uma equação matemática implica a existência de quantidades que podem ser equacionadas, o que, por sua vez, implica uma unidade de medida para essas quantidades. Em segundo lugar, as relações matemáticas são funcionais; isto é, as variáveis ​​são interdependentes e a identificação da variável causal depende de qual é considerada dada e de qual é alterada. Essa metodologia é apropriada na física, onde as entidades não fornecem as causas de suas ações, mas, em vez disso, são determinadas por leis quantitativas detectáveis ​​de sua natureza e da natureza das entidades em interação. Mas na ação humana, a escolha de livre-arbítrio da consciência humana é a causa, e essa causa gera certos efeitos. O conceito matemático de uma “função” interdeterminante é, portanto, inapropriado.

Em verdade, o próprio conceito de “variável” usado com tanta frequência na econometria é ilegítimo, pois a física só pode chegar a leis descobrindo constantes. O conceito de “variável” só faz sentido se houver algumas coisas que não sejam variáveis, mas constantes. Ainda assim, na ação humana, o livre arbítrio exclui quaisquer constantes quantitativas (incluindo unidades de medida constantes). Todas as tentativas de descobrir tais constantes (tal como a teoria da quantidade estrita do dinheiro ou a “função de consumo” keynesiana) estavam inerentemente fadadas ao fracasso.

Finalmente, elementos básicos da economia matemática, como o cálculo, são completamente inadequados para a ação humana porque pressupõem uma continuidade infinitamente pequena; embora tais conceitos possam legitimamente descrever o caminho completamente determinado de uma partícula física, eles são seriamente enganosos ao descrever a ação voluntária de um ser humano. Tal ação voluntária pode ocorrer apenas em passos discretos, não infinitamente pequenos, passos grandes o suficiente para serem percebidos por uma consciência humana. Consequentemente, as suposições de continuidade do cálculo são inadequadas para o estudo do homem.

Outras metáforas, corporal e enganosamente transplantadas da física, incluem: “equilíbrio”, “elasticidade”, “estática e dinâmica”, “velocidade de circulação” e “fricção”. “Equilíbrio” na física é um estado no qual uma entidade permanece; mas na economia ou na política nunca existe realmente tal estado de equilíbrio; há apenas uma tendência nessa direção. Ademais, o termo “equilíbrio” tem conotações emocionais e, assim, é apenas um breve passo para que se cometa a travessura de manter o equilíbrio não apenas como possível, mas como o ideal para avaliar todas as instituições existentes. Mas já que o homem, pela sua própria natureza, precisa continuar agindo, ele não pode estar em equilíbrio enquanto vive e, portanto, o ideal, sendo impossível, também é impróprio.

O conceito de “fricção” é usado de maneira semelhante. Alguns economistas, por exemplo, presumiram que os homens têm “conhecimento perfeito”, que os fatores de produção têm “mobilidade perfeita” e assim por diante, e então aereamente descartaram todas as dificuldades de aplicar essas absurdidades ao mundo real como problemas simples de “fricção”, assim como as ciências físicas trazem a fricção em adição a sua estrutura de operação “perfeita”. Essas suposições, de fato, fazem da onisciência o padrão ou ideal, e isso não pode existir pela natureza do homem.

As Falsas Analogias Organísmicas do Cientificismo

As analogias organísmicas atribuem consciência, ou outras qualidades orgânicas, a “todos sociais” que são apenas rótulos para as inter-relações dos indivíduos.[20] Assim como nas metáforas mecanicistas, os homens individuais são subsumidos e determinados, aqui eles se tornam células sem mente em algum tipo de organismo social. Embora poucas pessoas hoje afirmem maçantemente que “a sociedade é um organismo”, a maioria dos teóricos sociais defende doutrinas que implicam isso. Note, por exemplo, frases como: “A sociedade determina os valores de seus membros individuais”; ou “As ações do indivíduo são determinadas pelo papel que ele desempenha no grupo ao qual pertence”, e assim por diante. Conceitos como “o bem público”, “o bem comum”, “bem-estar social” e assim por diante, também são endêmicos. Todos esses conceitos se baseiam na premissa implícita de que existe, em algum lugar, uma entidade orgânica viva conhecida como “sociedade”, “o grupo”, “o público”, “a comunidade” e que essa entidade tem valores e busca fins.

Não só esses termos são tidos como entidades vivas; eles são supostos a existir mais fundamentalmente que meros indivíduos, e certamente “suas” metas tomam prioridade sobre metas individuais. É irônico que os autoproclamados apóstolos da “ciência” persigam o misticismo puro de assumir a realidade vivente desses conceitos.[21] Conceitos como “bem público”, “bem-estar geral” e assim por diante, precisam, portanto, ser descartados como grosseiramente não científicos e, da próxima vez que alguém pregar a prioridade do “bem público” sobre o bem individual, devemos perguntar: Quem é o “público” nesse caso? Precisamos lembrar que no slogan justificando a dívida pública que ganhou fama na década de 1930: “Nós devemos isso apenas a nós mesmos”, faz uma grande diferença para cada homem ser membro do “nós” ou do “nós mesmos.”[22]

Uma falácia semelhante é cometida, tanto por apoiadores quanto por críticos da economia de mercado, quando o mercado é chamado de “impessoal”. Assim, as pessoas costumam reclamar que o mercado é muito “impessoal” porque não lhes concede uma parcela maior dos bens mundanos. É negligenciado que o “mercado” não é algum tipo de entidade viva que toma decisões boas ou más, mas é simplesmente um rótulo para pessoas individuais e suas interações voluntárias. Se A pensa que o “mercado impessoal” não está pagando o suficiente, ele está realmente dizendo que os indivíduos B, C e D não estão dispostos a pagá-lo o tanto que ele gostaria de receber. “Mercado” são indivíduos agindo. Da mesma forma, se B pensa que o “mercado” não está pagando a A o suficiente, B está perfeitamente livre para intervir e fornecer a diferença. Ele não é barrado nesse esforço por algum monstro chamado “mercado”.

Um exemplo do uso generalizado da falácia organísmica é em discussões sobre comércio internacional. Assim, durante a era do padrão-ouro, quantas vezes se gritou que “Inglaterra” ou “França” ou algum outro país estava em perigo mortal porque “ela” estava “perdendo ouro”? O que realmente estava acontecendo era que os homens ingleses ou homens franceses estavam enviando ouro voluntariamente para o exterior e, assim, ameaçando os bancos nesses países com a necessidade de cumprir obrigações (para pagar em ouro) que eles não poderiam possivelmente cumprir. Mas o uso da metáfora organísmica converteu um grave problema bancário em uma vaga crise nacional pela qual cada cidadão era de alguma forma responsável.[23]

Até agora estivemos discutindo aqueles conceitos organísmicos que assumem a existência de uma consciência fictícia em algum todo coletivo. Há também numerosos exemplos de outras analogias biológicas enganosas no estudo do homem. Ouvimos muito, por exemplo, de nações “jovens” e “velhas”, como se um americano de 20 anos fosse de alguma forma “mais jovem” do que um francês da mesma idade. Lemos sobre “economias maduras”, como se uma economia precisasse crescer rapidamente e depois se tornar “madura”. A moda atual de uma “economia de crescimento” presume que toda economia está de alguma forma destinada, como um organismo vivo, a “crescer” de alguma maneira predeterminada a uma taxa definida. (No entusiasmo, negligencia-se que muitas economias “crescem” para trás.) Que todas essas analogias são tentativas de negar a vontade e a consciência individuais foi apontado pela Sra. Penrose. Referindo-se a analogias biológicas aplicadas a empresas, ela escreve:

onde as analogias biológicas explícitas surgem na economia, elas são extraídas exclusivamente daquele aspecto da biologia que lida com o comportamento não motivado dos organismos. […] O mesmo ocorre com a analogia do ciclo de vida. Não temos nenhuma razão para pensar que o padrão de crescimento de um organismo biológico é de vontade do próprio organismo. Por outro lado, temos todos os motivos para pensar que o crescimento de uma empresa é da vontade daqueles que tomam as decisões da empresa […] e a prova disso está no fato de que ninguém pode descrever o desenvolvimento de qualquer dada empresa […] exceto em termos de decisões tomadas por homens individuais.[24]

Axiomas e Dedução

O axioma fundamental, então, para o estudo do homem é a existência da consciência individual, e vimos as inúmeras maneiras pelas quais o cientificismo tenta rejeitar ou evitar esse axioma. Não sendo omnisciente, o homem precisa aprender; ele precisa sempre adotar ideias e agir sobre elas, escolhendo os fins e os meios para alcançar esses fins. Sobre esse axioma fundamental simples, um vasto edifício dedutivo pode ser construído. O professor Mises já fez isso para a economia, que ele subsume à ciência da praxiologia: isso se centra no fato formal universal de que todos os homens usam meios para fins escolhidos, sem investigar os processos das escolhas concretas ou a justificação para elas. Mises mostrou que toda a estrutura do pensamento econômico pode ser deduzida desse axioma (com a ajuda de alguns axiomas subsidiários).[25]

Visto que os axiomas fundamentais e outros são qualitativos por natureza, segue-se que as proposições deduzidas desses axiomas pelas leis da lógica também são qualitativas. As leis da ação humana são, portanto, qualitativas e, de fato, deve ficar claro que o livre arbítrio preclui leis quantitativas. Assim, podemos estabelecer a lei econômica absoluta de que um aumento na oferta de um bem, dada a demanda, reduzirá seu preço; mas se tentássemos prescrever com generalidade similar quanto o preço cairia, dado um aumento definido na oferta, iríamos nos despedaçar contra a rocha do livre-arbítrio das valorações variantes ​de indivíduos diferentes.

Nem é preciso dizer que o método dedutivo-axiomático tem sido desacreditado nas últimas décadas, em todas as disciplinas, exceto na matemática e na lógica formal — e mesmo aqui os axiomas são frequentemente considerados uma mera convenção, em vez de uma verdade necessária. Poucas discussões sobre a história da filosofia ou do método científico deixam de fazer os ataques ritualísticos à argumentação antiquada a partir de princípios evidentes-ao-si. E, no entanto, os próprios discípulos do cientificismo implicitamente assumem como evidente-ao-si não o que não pode ser contradito, mas simplesmente que a metodologia da física é a única metodologia verdadeiramente científica. Essa metodologia, brevemente, é olhar para os fatos e então estruturar hipóteses cada vez mais gerais para explicar os fatos, e então testar essas hipóteses verificando experimentalmente outras deduções feitas a partir delas. Mas esse método é apropriado apenas nas ciências físicas, onde começamos por conhecer os dados sensoriais externos e, em seguida, prosseguimos para a nossa tarefa de tentar encontrar, o mais próximo que pudermos, as leis causais do comportamento das entidades que percebemos. Não temos maneira de conhecer essas leis diretamente; mas felizmente podemos verificá-las performando experimentos de laboratório controlados para testar proposições deduzidas delas. Nesses experimentos, podemos variar um fator, enquanto mantemos todos os outros fatores relevantes constantes. No entanto, o processo de acumulação de conhecimento na física é sempre bastante tênue; e, como tem acontecido, na medida em que nos tornamos mais e mais abstratos, há maior possibilidade de que alguma outra explicação será concebida que se ajuste mais aos fatos observados e que possa então substituir a teoria mais antiga.

No estudo da ação humana, por outro lado, o procedimento adequado é o inverso. Aqui começamos com os axiomas primários; sabemos que os homens são os agentes causais, que as ideias que adotam por livre arbítrio governam suas ações. Portanto, começamos conhecendo plenamente os axiomas abstratos, e podemos então construir sobre eles através da dedução lógica, introduzindo alguns axiomas auxiliares para limitar o alcance do estudo às aplicações concretas com as quais nos preocupamos. Ademais, nos assuntos humanos, a existência do livre arbítrio nos impede de conduzir quaisquer experimentos controlados; pois as ideias e valorações das pessoas estão continuamente sujeitas a mudanças e, portanto, nada pode ser mantido constante. A metodologia teórica adequada nas questões humanas, então, é o método dedutivo-axiomático. As leis deduzidas por esse método são mais, não menos, firmemente fundamentadas do que as leis da física; pois, uma vez que as causas últimas são conhecidas diretamente como verdadeiras, as consequentes delas também são verdadeiras.

Uma das razões para o ódio cientístico ao método dedutivo-axiomático é histórica. Assim, o Dr. E.C. Harwood, lutador inveterado pelo método pragmático na economia e nas ciências sociais, critica Mises da seguinte forma:

Como os gregos, o Dr. Mises menospreza a mudança. “A praxiologia não está preocupada com o conteúdo que muda da ação, mas com sua forma pura e sua estrutura categórica.” Ninguém que aprecie a longa luta do homem em direção a um conhecimento mais adequado criticaria Aristóteles por sua adoção de um ponto de vista semelhante há 2.000 anos, mas, afinal, isso foi 2.000 anos atrás; certamente os economistas podem fazer melhor do que buscar luz sobre sua matéria em um farol que foi extinto pela revolução de Galileu no século 17.[26]

Além do antagonismo pragmatista usual às leis apodíticas da lógica, essa citação incorpora um mito historiográfico típico. O germe da verdade na figuração histórica do nobre Galileu versus a Igreja anticientífica consiste em grande parte em dois erros importantes de Aristóteles: (a) ele pensava das entidades físicas enquanto teleologicamente agindo e, assim, em certo sentido, como sendo agentes causais; e (b) ele necessariamente não tinha conhecimento do método experimental, que ainda não havia sido desenvolvido, e portanto pensava que o método qualitativo-dedutivo-axiomático era o único apropriado para as ciências físicas bem como para as humanas. Quando o século XVII entronizou as leis quantitativas e os métodos de laboratório, o repúdio parcialmente justificado de Aristóteles na física foi seguido pela infeliz expulsão de Aristóteles e de sua metodologia das ciências humanas.[27] Isso é verdade à parte das descobertas históricas de que os Escolásticos da Idade Média foram os precursores, em vez de inimigos obscurantistas, da ciência física experimental.[28]

Um exemplo de lei concreta deduzida de nosso axioma fundamental é a seguinte: uma vez que toda ação é determinada pela escolha do agente, qualquer ato particular demonstra a preferência de uma pessoa por essa ação. Disto se segue que, se A e B concordaram voluntariamente em fazer uma troca (seja a troca material ou espiritual), ambas as partes estão fazendo isso porque esperam se beneficiar.[29]

Ciência e Valores: Ética Arbitrária

Tendo discutido a abordagem propriamente científica, em contraste com a cientificista, do estudo do homem, podemos concluir considerando brevemente a velha questão da relação entre ciência e valores. Desde Max Weber, a posição dominante nas ciências sociais, pelo menos de jure, tem sido Wertfreiheit: que a própria ciência precisa não fazer juízos de valor, mas se confinar a juízos de fato, uma vez que os fins últimos podem ser apenas pura preferência pessoal, não sujeita ao argumento racional. A visão filosófica clássica de que uma ética racional (isto é, no sentido amplo do termo, uma “científica”) é possível tem sido amplamente descartada. Como resultado, os críticos do Wertfreiheit, tendo rejeitado a possibilidade da ética racional enquanto uma disciplina separada, passaram a contrabandear juízos éticos arbitrários e ad hoc pela porta dos fundos de cada ciência particular do homem. A moda atual é preservar uma fachada de Wertfreiheit, ao passo que casualmente adota juízos de valor, não como uma decisão do próprio cientista, mas como o consenso dos valores dos outros. Em vez de escolher seus próprios fins e valorar de acordo, o cientista supostamente mantém sua neutralidade ao adotar os valores da maior parte da sociedade. Em suma, estabelecer os próprios valores agora é considerado enviesado e “não objetivo”, enquanto adotar sem crítica os slogans de outras pessoas é o cúmulo da “objetividade”. Objetividade científica não significa mais a busca de um homem pela verdade onde quer que ela leve, mas sim obedecer a uma pesquisa Gallup de outras subjetividades menos informadas.[30]

A atitude de que juízos de valor são evidentes-ao-si porque “pessoas” os defendem permeia as ciências sociais. O cientista social muitas vezes reivindica que é apenas um técnico, aconselhando seus clientes — o público — a como atingir seus fins, sejam eles quais forem. E ele acredita que, assim, pode tomar uma posição de valor sem realmente se comprometer a quaisquer valores próprios. Um exemplo de um livro didático de finanças públicas recente (uma área onde o cientista econômico precisa enfrentar constantemente problemas éticos):

A justificação atual para o princípio de habilidade (entre os economistas) é simplesmente o fato de que […] está de acordo com o consenso de atitudes em relação à equidade na distribuição da renda real e da carga tributária. As questões de equidade sempre envolvem juízos de valor, e as estruturas tributárias podem ser avaliadas, de um ponto de vista da equidade, apenas em termos de sua conformidade relativa com o consenso do pensamento na sociedade particular no que diz respeito à equidade.[31]

Mas o cientista não pode, portanto, escapar de fazer juízos de valor próprios. Um homem que conscientemente aconselha uma gangue criminosa sobre a melhor forma de arrombar um cofre está, portanto, implicitamente endossando o fim: arrombar um cofre. Ele é um co-autor antes do fato. Um economista que aconselha o público sobre o método mais eficiente de obter igualdade econômica está endossando o fim da igualdade econômica. O economista que aconselha o FED sobre como gerir a economia mais diligentemente está, assim, endossando a existência do sistema e de seu objetivo de estabilização. Um cientista político que aconselha um departamento do governo sobre como reorganizar sua equipe para maior eficiência (ou menor ineficiência) está, assim, endossando a existência e o sucesso desse departamento. Para se convencer disso, considere qual seria o curso adequado para um economista que se opõe à existência do Sistema de Reserva Federal, ou o cientista político que gostaria de ver a liquidação do departamento. Ele não estaria traindo seus princípios se ajudasse o que ele é contra a se tornar mais eficiente? Não seria seu curso apropriado se recusar a aconselhá-lo, ou talvez promover sua ineficiência — com base na observação clássica por um grande industrialista americano (falando sobre corrupção governamental): “Graças a Deus que não obtemos tanto governo quanto pagamos”?

Deve-se perceber que os valores não se tornam verdadeiros ou legítimos porque muitas pessoas os defendem; e sua popularidade não os torna evidentes-ao-si. A economia abunda em exemplos de valores arbitrários contrabandeados para obras cujos autores nunca pensaram em se envolver com análises éticas ou propor um sistema ético. A virtude da igualdade, como indicamos, é simplesmente tida como certa, sem justificação; e é estabelecida, não pela percepção sensorial da realidade ou mostrando que sua negação é autocontraditória — os verdadeiros critérios da evidência-ao-si —, mas assumindo que qualquer um que discorda é um patife e um bandido. A tributação é um reino onde os valores arbitrários florescem, e podemos ilustrar ao analisar a mais sacrossanta e certamente a ética que mais está no senso comum entre todas as éticas tributárias: alguns dos famosos cânones de “justiça” de Adam Smith na tributação.[32] Esses cânones têm, desde então, sido tratados como evangelhos evidentes-ao-si em praticamente todas as obras sobre finanças públicas. Tomemos, por exemplo, o cânone de que os custos de cobrança de qualquer imposto sejam reduzidos ao mínimo. Óbvio o suficiente para incluir no tratado mais wertfrei? De forma nenhuma — pois precisamos não negligenciar o ponto de vista dos cobradores de impostos. Eles irão favorecer altos custos administrativos da taxação, simplesmente porque custos altos significam maiores oportunidades de emprego burocrático. Com que bases possíveis podemos chamar o burocrata de “errado” ou “injusto”? Certamente nenhum sistema ético foi oferecido. Ademais, se o próprio imposto é considerado ruim em outras bases, então o oponente do imposto pode muito bem favorecer altos custos administrativos com base que irá, então, haver menos chance para o imposto causar dano ao ser completamente coletado.

Considere outro cânone de Smith aparentemente óbvio, a saber, que um imposto seja cobrado de modo que o pagamento seja conveniente. Mas, novamente, isso não é de forma alguma evidente-ao-si. Os oponentes de um imposto, por exemplo, podem querer que o imposto seja propositalmente inconveniente, de modo a induzir o povo a se rebelar contra a cobrança. Ou outro: que um imposto seja certo e não arbitrário, de modo que os pagadores de impostos saibam o que terão de pagar. Mas, novamente, análises adicionais levantarão muitos problemas. Pois alguns podem argumentar que a incerteza beneficia positivamente o pagador de impostos, pois torna os requerimentos mais flexíveis, assim permitindo mais espaço para possíveis subornos do cobrador de imposto. Outra máxima popular é que um imposto seja estruturado de modo a tornar mais difícil de evadir. Mas novamente, se um imposto é considerado injusto, a evasão pode ser altamente benéfica, moral e economicamente.

O propósito dessas críticas não tem sido o de defender altos custos da coleta de impostos, taxas inconvenientes, suborno ou evasão, mas de mostrar que até mesmo as pitadas mais banais de juízos éticos na economia são completamente ilegítimas. E elas são ilegítimas se se acredita ou não no Wertfreiheit ou na possibilidade de uma ética racional: pois tais juízos éticos ad hoc violam os cânones de ambas escolas. Não são nem wertfrei nem suportados por qualquer análise sistemática.

Conclusão: Individualismo vs. Coletivismo no Estudo do Homem

Pesquisando os atributos da ciência adequada do homem contra o cientificismo, encontra-se uma teoria clara e cintilante que os separa. A verdadeira ciência do homem se baseia sobre a existência de seres humanos individuais, sobre a vida individual e sobre a consciência. Os confrades cientísticos (dominantes na época moderna) sempre se opõem contra a existência significativa de indivíduos: os biologistas negam a existência da vida, os psicologistas negam a consciência, os economicistas negam a economia, e os teoristas políticos negam a filosofia política. O que eles afirmam é a existência e primazia dos todos sociais: “sociedade”, “coletivo”, “grupo”, “nação”. O indivíduo, eles afirmam, precisa ser ele mesmo livre de valores [wertfrei], mas precisa pegar seus valores da “sociedade”. A verdadeira ciência do homem se concentra no indivíduo enquanto de importância central, epistemológica e ética; os aderentes do cientismo, em contraste, não perdem oportunidade de denegrir o indivíduo e de o submergir na importância do coletivo. Com tais epistemologias radicalmente contrastantes, é dificilmente mera coincidência que as visões políticas dos dois campos opostos tendem a ser individualistas e coletivistas, respectivamente.

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Notas de rodapé

[1] A ação humana, portanto, não ocorre à parte da causa; seres humanos precisam escolher a qualquer dado momento, apesar de os conteúdos da escolha serem determinados pelo si-mesmo.

[2] As ciências que lidam com o funcionamento dos órgãos automáticos do homem — fisiologia, anatomia e assim por diante — podem ser incluídas nas ciências físicas, pois não são baseadas na vontade do homem — embora mesmo aqui, a medicina psicossomática traça relações causais definidas decorrentes das escolhas do homem.

[3] Consulte Andrew G. Van Melsen, The Philosophy of Nature (Pittsburgh, Penn.: Duquesne University Press, 1953), pp. 208 ff., 235 ff.

Enquanto o livre-arbítrio precisa ser mantido para o homem, a determinação precisa ser igualmente mantida para a natureza física. Para uma crítica da recente noção falaciosa, baseada no Princípio da Incerteza de Heisenberg, de que partículas atômicas ou subatômicas têm “livre-arbítrio”, consulte Ludwig von Mises, Theory and History (New Haven, Conn.: Yale University Press, 1957), pp. 87-92; e Albert H. Hobbs, Social Problems and Scientism (Harrisburg, Penn.: Stackpole, 1953), pp. 220-32.

[4] Francis L. Harmon, Principles of Psychology (Milwaukee: Bruce Publishing, 1938), p. 487 e pp 493-99.

Até mesmo os escritos controversos dos próprios mecanicistas parecem ser destinados a leitores dotados de poderes de escolha. Em outras palavras, o determinista que deseja conquistar outros para sua maneira de pensar precisa escrever como se ele mesmo, e pelo menos seus leitores, tivessem livridade de escolha, enquanto todo o resto da humanidade é determinado mecanicamente no pensamento e na conduta.

Também veja Joseph D. Hassett, S.J., Robert A. Mitchell, S.J., e J. Donald Monan, S.J., The Philosophy of Human Knowing (Westminster, Maryland: Newman Press, 1953), pp. 72-73.

[5] Veja Mises, Theory and History, pp. 258-60; e Mises, Human Action (New Haven,Conn.: Yale University Press, 1949), pp. 74 ff.

[6] Phillips, portanto, chama esse atributo de um axioma de um “princípio bumerangue […] pois, embora o joguemos para longe de nós, ele retorna para nós novamente”, e ilustra mostrando que uma tentativa de negar a lei de não-contradição de Aristóteles precisa terminar assumindo-a. R.P. Phillips, Modern Thomistic Philosophy (Westminster, Maryland: Newman Bookshop, 1934-35), Vol. 2, pp. 36-37. Ver também John J. Toohey, S.J., Notes on Epistemology (Washington, D.C.: Georgetown University Press, 1952), passim e Murray N. Rothbard, “In Defense of ‘Extreme Apriorism’,” Southern Economic Journal (January 1957): p. 318. Reimpresso neste volume como capítulo 6. [Em Defesa do “Apriorismo Extremo”.]

[7] No decurso de uma crítica ao determinismo, Phillips escreveu: “Que propósito […] poderia servir o conselho se fôssemos incapazes de revisar um juízo que havíamos formado e, assim, agir de uma maneira diferente daquela que pretendíamos a princípio?” Phillips, Modern Thomistic Philosophy, vol. 1, p. 282.

Sobre a ênfase no livre arbítrio como livridade de pensar, de usar a razão, ver Robert L. Humphrey, “Human Nature in American Thought,” Political Science Quarterly (June 1954): 269; Readings in Ethics, J.F. Leibell, ed. (Chicago: Loyola University Press, 1926), pp. 90, 103, 109; Robert Edward Brennan, O.P., Thomistic Psychology (New York: Macmilian, 1941), pp. 221-22; Van Melsen, The Philosophy of Nature, pp. 235-36; e Mises, Theory and History, pp. 177-79.

[8] “Um homem se envolve em uma contradição quando usa o raciocínio do intelecto para provar que tal raciocínio não pode ser invocado.” (Toohey, Notes on Epistemology, p. 29). Ver também Phillips, Modern Thomistic Philosophy, vol. 2, p. 16; e Frank Thilly, A History of Philosophy (New York: Henry Holt, 1914), p. 586.

[9] Ver F.H. Hayek, The Road to Serfdom (Chicago: University of Chicago Press, 1944), p. 26.

[10] John G. Vance, “Freedom,” citado em Leibell, Readings in Ethics, pp. 98-100. Também veja Van Melsen, The Philosophy of Nature, p. 236, e Michael Maher, “Psychology”, citado em Leibell, Readings in Ethics.

[11] Assim, cf., C.I. Lewis, Mind and the World Order (New York: Dover Publications, 1956), pp. 49-51.

[12] N. do T.: Reduziremos, por conveniência de leitura, o termo “evidente-ao-si-mesmo” para “evidente-ao-si”.

[13] Veja Hassett, Mitchell e Monan,The Philosophy of Human Knowing, pp. 33-35. Ver também Phillips, Modern Thomistic Philosophy, vol. 1, pp. 50-51; Toohey, Notes on Epistemology, pp. 5, 36, 101 e 107-8; e Thilly, A History of Philosophy, p. 363.

[14] Professor Strausz-Hupé também argumenta isso em seu artigo, “Social Science Versus the Obsession of Scientism,” em Schoeck and Wiggins, eds., Scientism and Values.

[15]Mises, Theory and History, p. 92.

[16] Ibid., pp. 94-95:
“Uma máquina é um dispositivo feito pelo homem. É a realização de um projeto e funciona precisamente de acordo com o plano de seus autores. O que produz o produto de sua operação não é algo dentro dela, mas o propósito que o construtor queria realizar mediante a sua construção. É o construtor e o operador que criam e produzem, não a máquina. Atribuir a uma máquina qualquer atividade é antropomorfismo e animismo. A máquina […] não se move; é colocada em movimento pelos homens.”

[17] Ver ibid., pp. 249-50.

[18] Sobre esse e muitos outros pontos neste artigo, estou em grande dívida com o Professor Ludwig von Mises e com seu desenvolvimento da ciência da praxiologia. Veja Ludwig von Mises, “Comment about the Mathematical Treatment of Economic Problems,” Studium Generale 4, no. 2 (1953); Mises, Human Action, passim; e Mises, Theory and History, pp. 240-63. As fundações da praxiologia enquanto método foram postas pelo economista clássico inglês, Nassau Senior. Infelizmente, o lado positivista de John Stuart Mill do debate metodológico tornou-se muito mais conhecido do que o de Senior. Veja Marian Rowley, Nassau Senior and Classical Economics (New York: Augustus M. Kelley, 1949), cap. 1, esp. pp. 64-65.

[19] Para uma crítica das recentes tentativas de moldar uma nova teoria de mensuração para magnitudes intensivas, consulte Murray N. Rothbard, “Toward a Reconstruction of Utility and Welfare Economics,” em On Freedom and Free Enterprise: Essays in Honor of Ludwig von Mises, Mary Sennholz, ed. (Princeton, N.J.: D. Van Nostrand, 1956), pp. 241-43.

[20] Sobre a falácia do realismo conceitual (ou ultra-realismo platônico) envolvida aqui, e sobre a necessidade do individualismo metodológico, veja F.A. Hayek, The Counter-Revolution of Science (Glencoe, Ill.: The Free Press, 1952), passim, e Mises, Human Action, pp. 41 ff. e 45.

[21] Podemos, portanto, dizer com Frank Chodorov que “sociedade são pessoas”. Frank Chodorov, Society Are People (Philadelphia: Intercollegiate Society of Individualists, n.d.). Para uma crítica do misticismo da “sociedade”, veja Mises, Theory and History, pp. 250ff.

[22] Veja o ensaio deleitoso de Frank Chodorov “We Lose It to Ourselves,” analysis (Junho 1950): 3.

[23] Um erro semelhante de metáfora prevalece em questões de política externa. Assim: Quando se usa o monossilábico simples “França” pensa-se na França como uma unidade, uma entidade. Quando […] dizemos “a França enviou suas tropas para conquistar Tunis” — nós imputamos não apenas unidade, mas personalidade ao país. As próprias palavras ocultam os fatos e tornam relações internacionais um drama glamoroso no qual nações personalizadas são os agentes, e muito facilmente nos esquecemos dos homens e mulheres de carne e osso que são os verdadeiros agentes […] se não tivéssemos tal palavra como “França” […] então devemos descrever mais precisamente a expedição de Túnis de alguma forma como esta: “Alguns […] trinta e oito milhões de pessoas enviaram trinta mil para conquistar Tunis.” Esta forma de colocar o fato sugere imediatamente uma questão, ou melhor, uma série de questões. Quem são os “alguns”? Por que eles enviaram trinta mil para Túnis? E por que esses obedecem? A construção de um império não é feita por “nações”, mas por homens. O problema diante de nós é descobrir os homens, os ativos, as minorias interessadas em cada nação, que estão diretamente interessadas no imperialismo e, em seguida, analisar as razões pelas quais as maiorias pagam as despesas e lutam nas guerras. (Parker Thomas Moon, Imperialism and World Politics [New York: Macmillan, 1930], p. 58.)

[24] Edith Tilton Penrose, “Biological Analogies in the Theory of the Firm,” American Economic Review (December 1952): p. 808.

[25] Em seu Human Action. Para uma defesa desse método, consulte o Capítulo 6, neste volume; e Rothbard, “Praxeology: Reply to Mr. Schuller,” American Economic Review (December 1951): pp. 943-46. [Neste volume, Praxiologia: Resposta ao Sr. Schuller, capítulo 7].

[26] E.C. Harwood, Reconstruction of Economics (Great Barrington, Mass.: American Institute for Economic Research, 1955), p. 39. Sobre este e outros exemplos de cientificismo, veja Leland B. Yeager, “Measurement as Scientific Method in Economics,” American Journal of Economics and Sociology (July 1957): 337. Ver também Yeager, “Reply to Col. Harwood,” ibid. (October 1957): 104-6. Como Yeager sabiamente conclui, “o antropomorfismo, corretamente rechaçado nas ciências naturais como metafísica pré-científica, é justificado na economia porque ela trata da ação humana.”

[27] Van Melsen, The Philosophy of Nature, pp. 54-58, 1-16.

[28] Como Schumpeter declarou: “A ciência escolástica da Idade Média continha todo o gênero da ciência laica da Renascença”. O método experimental foi usado principalmente por Frei Roger Bacon e Pedro de Maricourt no século XIII; o sistema heliocêntrico da astronomia originou-se no interior da Igreja (Cusanus era cardeal e Copernicus canonista); e os monges beneditinos abriram caminho no desenvolvimento da engenharia medieval. Ver Joseph A. Schumpeter, History of Economic Analysis (New York: Oxford University Press, 1954), pp. 81ff.; e Lynn White, Jr., “Dynamo and Virgin Reconsidered,” The American Scholar (Spring 1958): 183—212.

[29] Para uma refutação da acusação de que este é um argumento circular, consulte Rothbard, “Toward  Reconstruction of Utility and Welfare Economics”

[30] “Quando eles [os cientistas práticos] lembram de seus votos de objetividade, fazem com que outras pessoas façam seus juízos por eles.” Anthony Standen, Science Is a Sacred Cow (New York: E.P. Dutton, 1958), p. 165.

[31] John F. Due, Government Finance (Homewood, Ill.: Richard D. Irwin, 1954), p. 122.

[32] Adam Smith, The Wealth of Nations (New York: Modern Library, 1937), pp. 777—79.

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