Qual é a Maneira Adequada de Estudar o Homem?

Tempo de Leitura: 4 minutos

Por Murray Rothbard

[Originalmente apareceu na edição de 15 de Setembro de 1961 do The National Book Foundation. Uma análise do Epistemological Problems of Economics (Princeton, N.J.: D. Van Nostrand, 1960) de Ludwig von Mises; de Essays in European Economic Thought, Louise Sommer, ed. (Princeton, N.J.: D. Van Nostrand, 1960); e de Richard von Mises, Probability, Statistics, and Truth, 2ª edição inglesa revisada, preparada por Hilda Geiringer (New York: Macmillan, 1957).]

Se o estudo adequado da humanidade é o homem, imediatamente surge a questão: qual é a maneira adequada de estudar o homem? Em gerações recentes, o enorme prestígio ganho por físicos no avanço de nosso conhecimento do mundo material tem levado à transferência acrítica dos métodos adequados nas ciências naturais para o estudo das ações dos homens. Estes três livros iluminam diferentes aspectos da importante verdade, que as diferenças entre a natureza da ação humana e o comportamento não motivado de objetos físicos requerem metodologias diferentes de estudo científico.

A ciência da economia teve sempre tido uma metodologia própria separada; mas, como em quase todas as ciências de sucesso, ela não começou a examinar e a analisar sua metodologia até já ter desenvolvido a maior parte de suas leis e princípios. No entanto, se uma metodologia bem analisada não é estabelecida a tempo, a ciência está em perigo de cair em um erro grosseiro ao vagar em caminhos plausíveis, mas inválidos. Em uma era que muitos caminhos largamente divergentes e até mesmo contraditórios de inquérito estão abertos aos economistas, é mais importante do que nunca que a ciência econômica desenvolva uma consciência mais crítica de sua metodologia adequada. O Grundprobleme der Nationalökonomie [em tradução literal, O Problema Fundamental da Economia da Nação] de Ludwig von Mises, publicado em 1933, foi uma conquista monumental no estudo da metodologia econômica. Enquanto trabalhos anteriores por Senior, Cairnes e Menger vindicaram a validade da teoria econômica, o volume de Mises foi o primeiro a livrar a metodologia econômica de todos os traços do positivismo e do relativismo. Pela primeira vez, Mises explicou completamente por que as leis da ação humana (economia e, mais amplamente, “praxiologia”) não podem ser “testadas” através da referência a “dados” estatísticos ou históricos. No comportamento de objetos físicos, a ciência começa pela observação empírica de relações constantes e, então, estrutura hipóteses provisórias de leis explicativas, essas hipóteses sendo sempre sujeitas a testes e revisão através da referência de suas consequentes deduzidas aos experimentos controlados, nos quais todos os fatores, excetos os relevantes e isolados, são mantidos constantes. Esse é o “método científico” da física. Mas no estudo da ação humana, como Mises mostrou, o inverso é verdadeiro; aqui, começamos por saber das leis causais: por saber o fato da consciência humana, do livre arbítrio, da ação motivada e propositada dos seres humanos ao usar meios dados para o atingimento de fins desejados. Por outro lado, os fatos da história humana não são, como na física, controláveis e sujeitos à testagem; eles são os resultantes complexos e mutáveis da interação de ações e de motivos humanos, impactando no ambiente natural e um ao outro. As leis da ciência econômica, portanto, podem apenas ser construídas ao começar com axiomas conhecidos apoditicamente e deduzindo deles um corpo de leis necessariamente verdadeiras.

 A obra moderna mais conhecida sobre metodologia econômica no mundo anglófono tem sido o An Essay on the Nature and Significance of Economic Science de Lionel Robbins, publicado quase ao mesmo tempo que o Grundprobleme. Mas o livro de Mises é uma obra muito mais profunda e básica na mesma tradição geral e sua presente tradução como Epistemological Problems of Economics [em português, Problemas Epistemológicos da Economia] portanto preenche uma lacuna vital ao nos trazer a obra excepcional sobre a metodologia da economia.

Essay in European Economic Thought traz ao leitor americano traduções dos sete mais importantes ensaios de economia europeus do século passado. Talvez o artigo excepcional na coleção é a brilhante crítica da economia matemática por Paul Painlevé, um eminente matemático francês que escreveu o ensaio como a introdução à tradução francesa do Theory of Political Economy de W. Stanley Jevons em 1909. O trabalho de Jevons foi um dos primeiros, e um dos menos prejudiciais, das incursões cada vez mais frequentes do método matemático na economia; e ainda assim, em sua crítica de Jevons, Painlevé já viu os perigos e falácias. A tradição austríaca e praxiológica sempre reconheceu que a matemática, e os métodos quantitativos em geral, são adequados às ciências físicas nas quais o comportamento é contínuo e não motivado; mas que a lógica verbal, em contraste, é o método adequado quando alguém está estudando as ações necessariamente discretas, motivadas e qualitativas dos homens. Em um campo no qual economistas matemáticos estão muito frequentemente inclinados a dispensar críticos como ignorantes da matemática, os argumentos desse distinto matemático carregam um peso em particular.

O grande clássico de Richard von Mises, Probability, Statistics, and Truth, efetuou uma revolução na natureza da teoria de probabilidade durante as décadas de 1920 e 1930. A teoria “clássica” de probabilidade considerava a probabilidade numérica como sendo derivada da “igual ignorância” sobre os eventos potenciais sendo considerados: assim, a probabilidade de obter um “três pontos” no jogar de um dado era considerada como “um sexto”, pois há seis possibilidades e não sabemos se um possibilidade é mais forte do que outra. Mises (o irmão de Ludwig von Mises), demonstrando as contradições dessa abordagem, insistiu que a probabilidade não é um sexto se o dado estiver “viciado”, e que a única forma de descobrir se um dado está viciado é lançando-o um grande número de vezes. Assim nasceu a “teoria frequentista” da probabilidade numérica, baseada no conhecimento e não na ignorância. A teoria frequentista implica que para dizer que a probabilidade de um dado mostrar “três” é “um sexto” significa que, se um dado é lançado um grande número de vezes, o número de ocasiões nas quais o “três” é obtido irá se aproximar de um a cada seis lançamentos. Mas isso significa que a teoria numérica e matemática de probabilidade não pode realmente se aplicar a cada caso único, mas apenas à proporção de eventos homogêneos aleatoriamente selecionados, como lançar uma moeda ou arremessar um dado. Esse fato é muito mais verdadeiro para os eventos únicos e não aleatórios da ação humana (e empreendedorial) comum. Torna-se evidente a partir do trabalho fundamental de Richard von Mises que a teoria matemática de probabilidade nunca pode ser aplicável à economia ou a qualquer outro estudo da ação humana.Nos tempos atuais, quando a teoria matemática de probabilidade é muito pesadamente usada na economia e na sociologia, a tradução da terceira edição alemã da obra de Mises é particularmente bem-vinda. Pois Mises aqui refutou várias críticas modernas de sua teoria e demole as tentativas de tais filósofos como Carnap e Reichenbach de estabelecer uma teoria matemática para casos individuais, em contraste com grandes classes homogêneas, de ações humanas.

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