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Por Murray N. Rothbard

[Este texto corresponde ao décimo primeiro capítulo do segundo volume do livro “História do Pensamento Econômico; Uma Perspectiva Austríaca, o download do primeiro volume está disponível aqui]

11.1 Origens da dialética: criatologia

“Alienação”, para Marx, não tem qualquer relação com a tagarelice na moda dos intelectuais Marxóides do final do século vinte. Não significava um sentimento psicológico, de ansiedade ou estranhamento, que poderia de alguma forma ser atribuída ao capitalismo, ou a uma “repressão” cultural ou sexual.

A alienação, para Marx, era muito mais fundamental, mais cósmica. Significava, ao menos, como nós vimos, as instituições do dinheiro, especialização e divisão do trabalho.[1] A erradicação desses males era necessária para unir o organismo coletivo ou espécie humana “consigo mesmo”, para curar essas divisões dentro de “si mesmo” e entre o homem e “si mesmo” na forma da natureza criada pelo homem.

Mas o mal radical da alienação era ainda mais cósmico que isso. Era metafísica, uma profunda parte da filosofia e cosmovisão que Marx pegou de Hegel, e que, através de sua “dialética” aliada, trouxe para Marx os contornos do motor que iria inevitavelmente trazer-nos o comunismo como uma lei da história, com a inelutabilidade de uma lei da natureza.

Tudo isso começou com o filósofo do século terceiro Plotino, um filósofo platônico e seus seguidores, e com uma disciplina teológica aparentemente distante dos assuntos políticos e econômicos: criatologia, a ‘ciência’ dos Primeiros Dias.

Nós já vimos, de fato, que outro ramo aliado e quase igualmente remoto da teologia – escatologia, ou a ciência dos Últimos Dias – pode ter enormes consequências políticas, econômicas e ramificações.

A questão crítica da criatologia é: por que Deus criou o universo? A resposta do cristianismo ortodoxo agostiniano, e, portanto, a resposta dos católicos, luteranos e também calvinistas, é que Deus, um ser perfeito, criou o universo por benevolência e amor por Suas criaturas. Ponto. E essa parece ser a única resposta politicamente segura também.

A resposta dada pelos hereges e místicos dos cristãos primitivos sobre, contudo, é um tanto diferente: Deus criou o universo não por perfeição e amor, mas por necessidade e imperfeição sentidas. Em suma, Deus criou o universo pela sentida inquietação, solidão, ou o que quer que seja.

No início, antes da criação do universo, Deus e o homem (a espécie orgânica coletiva, é claro, não qualquer indivíduo particular), estavam unidos em uma, por assim dizer, bolha cósmica. Como nós poderíamos, de qualquer forma, falar de “unidade” entre o homem e Deus antes mesmo do homem ser criado é um enigma que terá de ser esclarecido por alguém mais versado nos mistérios divinos que o presente autor.

De qualquer forma, a história torna-se um processo, na verdade um processo pré-ordenado, pelo qual Deus desenvolve Seu potencial, e o homem, a espécie coletiva, desenvolve seu {its} potencial (ou dele {his}?). Mas, mesmo quando esse desenvolvimento ocorre, e ambos o Deus e o homem desenvolvem e se tornam mais perfeitos na e através da história, eclipsando esse desenvolvimento “bom” ocorre também um terrível e trágico acontecimento: o homem foi separado, cortado, “alienado” de Deus, assim como de outros homens, ou da natureza. Daí o conceito penetrante de alienação.

A alienação é cósmica, irremediável e metafísica, inerente em todo processo da criação, ou melhor, irremediável até que o grande dia inevitavelmente chegue: quando o homem e Deus, tendo se desenvolvido completamente, finalizam o processo e a própria história ao fundirem-se novamente, ao unirem-se novamente na fusão dessas duas grandes bolhas cósmicas em uma.

Observe, primeiro, como esse grande processo histórico acontece. É o processo “dialético” inevitável e pré-ordenado da história. Há, como de costume, três estágios. O estágio um é a fase original: homem e Deus estão em uma feliz e harmoniosa unidade (uma unidade da pré-criação?), mas as coisas, particularmente com a raça humana, estão bastante subdesenvolvidas.

Então, a dialética mágica faz seu trabalho, o estágio dois ocorre, e Deus cria o homem e o universo, ambos Deus e o homem desenvolvendo seus potenciais, com a história sendo um registro e processo de tal desenvolvimento. Mas a criação, como na maioria das dialéticas, prova-se ser uma espada de dois gumes, pois o homem sofre por sua separação cósmica e alienação de Deus.

Para Plotino, por exemplo, o Bem é unidade, ou O Uno, ao passo que o Mal é identificado com qualquer tipo de diversidade ou multiplicidade. Na humanidade, o mal se origina do egocentrismo das almas individuais, “desertor(es) do Todo”.

Mas então, finalmente, enfim, o processo de desenvolvimento estará completo, e o estágio dois desenvolve seu próprio Aufhebung, seu próprio ‘elevamento’, sua própria transcendência em seu oposto ou negação: a reunião de Deus e o homem em uma gloriosa unidade, um “êxtase da união”, e fim da alienação. Neste estágio três, as bolhas são reunidas em um nível muito mais elevado que no estágio um. A história está acabada. E eles todos viverão (?) felizes para sempre.

Mas observe a enorme diferença entre essa dialética da criatologia e escatologia, e aquela do cenário cristão ortodoxo. Em primeiro lugar, a alienação, a tragédia do homem na saga dialética de Plotino até Hegel, é metafísica, inescapável do ato da criação em si. Enquanto o estranhamento de Deus pelo homem para a saga judaico-cristã não é metafísico, mas unicamente moral.

Para os cristãos ortodoxos, a criação era puramente boa, e não profundamente contaminada com o mal; os problemas vieram apenas com a Queda de Adão, uma falha moral e não metafísica.[2] Assim, na visão cristã ortodoxa, através da Encarnação de Jesus, Deus providenciou uma rota pela qual essa alienação poderia ser eliminada, e o indivíduo poderia alcançar a salvação.

Mas observe novamente: o Cristianismo é uma crença profundamente individualista, uma vez que a salvação de cada indivíduo é o que importa. A salvação ou a perda dela será alcançada por cada indivíduo, o destino de cada indivíduo é a preocupação central, não o destino do alegado organismo ou bolha coletiva, o homem com H maiúsculo. No esquema do cristianismo ortodoxo, cada indivíduo vai para o Céu ou para o Inferno.

Mas nesta alegada visão otimista (hoje em dia chamada “teologia do processo”), a única salvação, o único final feliz é o do organismo coletivo, da espécie, com cada membro individual desse organismo sendo bruscamente aniquilado ao longo do caminho.

Essa teologia dialética, em particular sua criatologia, começou em plena floração com o cristão místico influenciado por Plotino do século nove John Scotus Erigena (c. 815 – c.866), um filósofo irlandês-escocês localizado na França, e continuou através de um subsolo herético de místicos cristãos, em particular, com o alemão do século catorze, Meister Johannes Eckhart (?1260-?1327).

A perspectiva panteísta dos místicos era similar ao chamado da budista-teosofista-socialista Senhora Annie Besant: como Chesterton perceptível e humoristicamente notou, não amar nosso vizinho, mas ser nosso vizinho. Os místicos panteístas apelam a cada indivíduo para unir-se com Deus, o Uno, ao aniquilar seu si mesmo individual, separado e, portanto, alienado.

Enquanto os meios dos vários místicos podem diferenciar-se do de Joaquimistas, ou os Irmãos do Espírito Livre, seja através de um processo da história ou através de um inevitável Armagedom, o objetivo permanece o mesmo: obliteração do indivíduo através da “reunião” com Deus, o Uno, e o fim da “alienação” cósmica, ao menos no nível de cada indivíduo.

Particularmente influenciado por G.W.F. Hegel e outros pensadores nesta tradição era o sapateiro e místico alemão do início do século XVII Jacob Boehme (1575-1624), que adicionou à sua mistura panteísta inebriante esse alegado mecanismo, a força que conduz essa dialética até seu inevitável curso na história.

Como, Boehme perguntou, o mundo da pré-criação transcendeu a si mesmo à criação? Antes da criação, ele respondeu, havia uma fonte primitiva, uma unidade eterna, um indiferenciado, indistinto e literal Nada (Ungrund). (Alias, isso era típico de Hegel, bem como de seus seguidores idealistas, pensar que eles adicionavam grandeza e explicação a um conceito elevado, mas ininteligível, colocando letra maiúscula nele).

Curiosamente, para Boehme, essa Não-Coisa possuía dentro de si um empenhamento interno, um nisus, um ímpeto à autorrealização. É esse ímpeto que cria uma força de oposição e transcendência, a vontade, que cria o universo, transformando o Nada em Algo.

11.2 Hegel e o homem-Deus

A etapa principal na secularização da teologia dialética, e, assim, para pavimentar o caminho para o Marxismo, foi posta pelo leão da filosofia alemã, Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). Nascido em Stuttgart, Hegel estudou teologia na Universidade de Tübingen, e assim ensinou teologia e filosofia nas Universidades de Jena e Heidelberg antes de tornar-se o principal filósofo na nova joia da coroa acadêmica prussiana, a Universidade de Berlim. Indo para Berlim em 1817, Hegel permaneceu lá até sua morte, encerrando seus dias como reitor da universidade.

No espírito do movimento Romântico na Alemanha, Hegel perseguiu o objetivo de unir o homem com Deus ao virtualmente identificar Deus com o homem, e assim submergindo o primeiro ao último. Goethe tinha recentemente popularizado o tema do Fausto, centrando-se no desejo intenso de Fausto pelo conhecimento divino ou absoluto, assim como no poder divino.

No cristianismo ortodoxo, é claro, o orgulho arrogante do homem em tentar alcançar um conhecimento e poder semelhante ao do divino é precisamente a causa raiz do pecado e Queda do homem. Mas, pelo contrário, Hegel, um luterano, de fato, majoritariamente herético, teve a temeridade de generalizar a pressão {urge} faustiana em uma filosofia mundial, e em um alegado insight sobre os inevitáveis funcionamentos do processo histórico.

Nas palavras do professor Tucker, o hegelianismo era uma “religião filosófica do si mesmo na forma de uma teoria da história. A religião é fundada em uma identificação do si mesmo com Deus.”[3]

Não deve ser necessário adicionar neste ponto que o “si mesmo” aqui não é o individual, mas é “si mesmo” enquanto espécie orgânica coletiva. Em um ensaio juvenil sobre “A Positividade da Religião Cristã”, que foi escrito quando Hegel tinha a idade de 25 anos, Hegel reveladoramente objeta o cristianismo por “separar” o homem e Deus exceto “em um indivíduo isolado” (Jesus), e colocar Deus em outro e mais elevado mundo, para o qual a atividade do homem não podia contribuir.

Quatro anos depois, em 1799, Hegel resolveu esse problema oferecendo sua própria religião, em seu “O Espírito do Cristianismo”. Em contraste ao Cristianismo ortodoxo, no qual Deus torna-se homem em Jesus, para Hegel, a conquista de Jesus foi, como um homem, tornar-se Deus! Tucker resume isso perfeitamente. Para Hegel, Jesus:

não é Deus que se tornou homem, mas homem que se tornou Deus.

Essa é a ideia central na qual todo o edifício do Hegelianismo foi construído: não há absolutamente nenhuma diferença entre a natureza humana e a divina. Elas não são duas coisas com um abismo intransponível entre elas. O si mesmo absoluto no homem, o homo noumenon, não é meramente semelhante a Deus […], ele é Deus.

Consequentemente, na medida em que o homem se empenha para tornar-se “como Deus”, ele está simplesmente se empenhando para ser seu próprio si mesmo real. E na deidificação de si mesmo, ele está simplesmente reconhecendo sua própria natureza verdadeira.[4]

Se o homem é realmente Deus, o que então é história? Por que o homem, ou melhor, os homens, mudam e desenvolvem-se? Porque o homem-Deus não é perfeito, ou ao menos ele não começa em um estado perfeito. O homem-Deus inicia sua vida na história totalmente inconsciente de seu caráter divino.

A história, assim, para Hegel, é um processo pelo qual o homem-Deus aumenta seu conhecimento, até ele finalmente alcançar o estado de conhecimento absoluto, isso é, o conhecimento e percepção totais de que ele é Deus. Neste caso, o homem-Deus finalmente percebe seu potencial de um ser sem limites, possuidor do conhecimento absoluto.

Por que então o homem-Deus, também chamado por Hegel de o “si mesmo do mundo” (Weltgeist) ou “espírito do mundo”, criou o universo? Não, como no relato cristão, por transbordar amor e benevolência, mas sim de uma necessidade de tornar-se consciente de si mesmo como um si mesmo do mundo. Esse processo de crescente consciência é alcançado através da atividade criativa pela qual o si mesmo do mundo se externaliza.

Essa externalização ocorre primeiro pela criação da natureza ou mundo original, e por segundo – e aqui, é claro, está uma adição significativa a outras teologias – há uma contínua externalização de si mesmo através da história humana. O mais importante é o segundo processo, pois por esses meios o homem, o organismo coletivo, expande sua construção da civilização, sua externalização criativa, e assim seu conhecimento crescente de sua própria divindade, e, portanto, do mundo como sua própria atualização de si mesmo.

Este último processo: de conhecer cada vez mais plenamente que o mundo é realmente si mesmo do homem, é o processo que Hegel denomina de o gradual colocar fim à “alienação-própria” do homem, a qual, é claro, para ele era também a alienação do homem de Deus. Para Hegel, em suma, o homem percebe o mundo como hostil porque não é ele mesmo, porque é estranho. Todos esses conflitos são resolvidos quando ele percebe finalmente que o mundo realmente é ele mesmo. Esse processo de percepção é o Aufhebung de Hegel, pelo qual o mundo se torna des-alienado e assimilado ao si mesmo do homem.

Mas por que, poder-se-ia perguntar, o homem de Hegel é tão ímpar, tão neurótico, que ele considera toda coisa que não é ele mesmo como estranha e hostil? A resposta é crucial à mística hegeliana. É porque Hegel, ou o homem de Hegel, não suporta a ideia de não ser ele mesmo Deus, e, portanto, não ser de espaço infinito e sem limites. Ver que qualquer outro ente, ou qualquer outro objeto, existe, significaria que ele próprio não é infinito ou divino.

Em suma, a filosofia de Hegel é uma megalomania solipsista cósmica e severa em uma escala grande e massiva. O professor Tucker desenvolve o caso com acuidade característica:

Para Hegel, alienação é finitude, e finitude, por sua vez, é sujeição. A experiência do auto-estranhamento na presença de um mundo aparente objetivo é uma experiência da escravização […]. Espírito [ou o si mesmo do mundo], quando confrontado com um objeto ou “outro”, está ipso facto cognoscente de si-mesmo como meramente um ente finito, como abraçando até certo ponto e nada mais da realidade, como se estendendo até certo ponto e não mais longe. O objeto é, portanto, um “limite”. (Grenze.)

E um limite, uma vez que contradiz a noção do espírito de si mesmo como um ser absoluto, i.e., ser-sem-limite, é necessariamente apreendido como uma “barreira” ou “grilhão”. (Schranke.)

É uma barreira à cognoscência do espírito de si mesmo como aquilo que se concebe como sendo verdadeiramente – a totalidade da realidade. Nesta confrontação com um objeto aparente, o espírito sente-se aprisionado em limitação. Ele experiencia o que Hegel chama de “tristeza da finitude”.

A transcendência do objeto através do saber é o caminho do espírito de se rebelar contra a finitude e fazer a fuga para a liberdade. No conceito muito único de Hegel, liberdade significa a consciência de si mesmo enquanto não limitado: é a ausência de um objeto limitante ou não-si mesmo […]; Essa consciência de “estar sozinho com si mesmo”[…] é precisamente o que Hegel significa pela consciência da liberdade […]

De acordo, o crescimento do conhecimento de si mesmo do espírito na história é alternativamente descrito como um progresso da consciência de liberdade.[5]

11.3 Hegel e a política

Tipicamente, o esquema determinista deixa convenientemente implícita uma saídas-de-escape para seus criadores e defensores, que são de alguma forma capazes de se elevar sobre o determinismo de ferro que aflige o resto de nós. Hegel não era diferente, exceto que suas saídas-de-escape eram muito explícitas.

Enquanto Deus e o absoluto referem-se ao homem enquanto organismo coletivo, ao invés de enquanto membros individuais insignificantes, de vez em quando surgem grandes indivíduos, homens “histórico-mundiais”, que são capazes de incorporar atributos do absoluto mais do que outros, e agem como agentes significantes no próximo grande Aufhebung histórico – o próximo grande impulso ao avanço do homem-Deus ou da alma-do-mundo em seu “autoconhecimento”.

Portanto, durante um tempo em que os prussianos mais patriotas estavam reagindo violentamente contra as conquistas imperiais de Napoleão, e mobilizando suas forças contra ele, Hegel reagiu muito diferentemente. Hegel escreveu para um amigo em êxtase sobre ter visto pessoalmente Napoleão andando pelas ruas da cidade:

“O Imperador – essa alma-do-mundo – andando de cavalo pela cidade para a revisão de suas tropas – é de fato um sentimento maravilhoso ver tal homem”.[6]

Hegel estava entusiasmado com Napoleão por causa de sua função histórica mundial de trazer o estado forte para a Alemanha e o resto da Europa. Tal como a escatologia fundamental de Hegel e a dialética prefiguraram o marxismo, sua filosofia política da história mais diretamente também o prefigurou.

Assim, seguindo o escritor romântico Friedrich Schiller, Hegel, em um ensaio em 1795, alegou que o equivalente ao jovem ou primitivo comunismo era a Grécia antiga. Schiller e Hegel elogiaram a Grécia pela suposta homogeneidade, unidade e “harmonia” de sua polis, que ambos os autores gravemente mal-conceberam como livres de qualquer divisão do trabalho.

O consequente Aufhebung interrompeu essa maravilhosa unidade e fragmentou o homem, mas – o lado bom do novo estágio histórico –

levou ao crescimento do comércio, dos padrões de vida e do individualismo. Para Hegel, além disso, a próxima etapa, anunciada pela filosofia de Hegel, traria uma reintegração do homem e do Estado.

Antes de 1796, Hegel, como outros muitos jovens intelectuais em toda a Europa, ficou encantado pela Revolução Francesa, individualismo, democracia radical, liberdade e os direitos do homem. Logo, contudo, novamente como muitos intelectuais europeus, Hegel desiludido com a Revolução Francesa, voltou-se ao estado reacionário absolutista.

Em particular, Hegel foi grandemente influenciado pelo estatista escocês, Sir James Steuart, um jacobita exilado na Alemão em grande parte de sua vida, cujo Investigação sobre os Princípios de Política Econômica (1767) foi grandemente influenciado pelos mercantilistas ultra-estatistas alemães do século XVIII, os cameralistas.

Hegel leu a tradução alemã dos Princípios de Steuart (o qual foi publicado em 1769-72), de 1797 até 1799, e tomou notas extensas. Hegel foi influenciado em particular por dois aspectos da visão de Steuart. Um sustentava que a história procedia em estágios, deterministicamente “evoluindo” de um estágio (nômade, agricultural, de troca, etc.) ao outro.

O outro tema influente foi que intervenção e controle estatal massivos eram necessários para manter uma economia de troca.[7] Não é surpreendente que a principal desilusão de Hegel na Revolução Francesa veio de seu individualismo e falta de unidade sob o estado.

Novamente prenunciando Marx, isso torna-se particularmente importante para o homem (o organismo coletivo) para superar o destino cego inconsciente, e “conscientemente” tomar controle de “seu” destino por meio do estado. E assim Hegel foi um grande admirador não apenas de Napoleão, o poderoso conquistador mundial, mas também de Napoleão, o regulador minucioso da economia francesa.

Hegel tornou muito evidente que o novo estado forte em desenvolvimento realmente necessitava de uma filosofia abrangente, contribuída por um Grande Filósofo para dar coerência e legitimidade para sua poderosa regência.

Caso contrário, como o Professor Plant explica, “tal estado, desprovido de compreensão filosófica, pareceria como uma oposição meramente arbitrária ou opressiva da liberdade dos indivíduos de buscarem seus próprios interesses”.

Nós precisamos apenas fazer um palpite sobre o que essa filosofia, ou quem esse Grande Filósofo, deveria ser. E então, armado com a filosofia hegeliana e o próprio Hegel como sua nascente e grande líder,

esse aspecto estranho do estado moderno progressivo desapareceria e pareceria não uma imposição mas um desenvolvimento da consciência de si mesmo.

Pela regulação e codificação de muitos aspectos da prática social, se entregaria ao mundo moderno uma racionalidade e previsibilidade que de outra forma não possuiria[…].[8]

Armado com tal filosofia e com tal filósofo, o estado moderno tomaria sua apontada posição divina no auge da história e da civilização, como Deus na terra. Assim:

“O Estado moderno, provando a realidade da comunidade política, quando compreendido filosoficamente, podia, portanto, ser visto como a mais alta articulação do Espírito, ou Deus no mundo contemporâneo”.

O estado, então, é “uma suprema manifestação da atividade de Deus no mundo”, e, “o Estado está acima de tudo; é o Espírito que conhece a si mesmo como a essência universal e realidade”; e “O estado é a realidade do reino dos céus”. E finalmente: “O Estado é a Vontade de Deus”.[9]

Das várias formas de estado, a monarquia é melhor, uma vez que permite que “todos” os indivíduos sejam “livres” (no sentido hegeliano) submergindo seus seres à substância divina, que é o estado autoritário e monárquico.

As pessoas são apenas “livres” quando elas são partículas insignificantes desta substância divina unitária. Como Tucker escreve, “a concepção de Hegel de liberdade é totalitarismo no sentido literal da palavra”.

O si mesmo do mundo deve experienciar-se como a totalidade do ser, ou, nas próprias palavras de Hegel, deve elevar-se à “totalidade da autoabrangência”, para alcançar a consciência da liberdade. Qualquer coisa abaixo disso significa alienação e tristeza da finitude.[10]

De acordo com Hegel, o desenvolvimento final do homem-Deus, o avanço para a totalidade e a infinitude estava próximo. O estado mais altamente desenvolvido na história do mundo estava agora no lugar – a monarquia prussiana existente sob o Rei Friedrich Wilhelm III.

Acontece que a apoteose de Hegel da monarquia prussiana existente coincidiu perfeitamente com as necessidades daquele monarca. Quando o Rei Friedrich Wilhelm III estabeleceu a nova Universidade de Berlim em 1818 para auxiliar no apoio e propaganda de seu poder absoluto, que pessoa melhor para a cadeira da filosofia que Friedrich Hegel, o divinizador do poder estatal?

O rei e seu partido absolutista precisavam de um filósofo oficial para defender o estado dos odiados ideais revolucionários da Revolução Francesa, e para justificar seu expurgo dos reformadores e liberais clássicos que os ajudaram a derrotar Napoleão. Como Karl Popper coloca:

Hegel foinomeado para atendera essa demanda, e ele atendeu revivendo as ideias dos primeiros grandes inimigos da sociedade aberta [especialmente Heráclito e Platão] […]

Hegel redescobriu as ideias platônicas que estão por trás da revolta perene contra a liberdade e a razão. O hegelianismo é o renascimento do tribalismo… [Hegel] é o “elo perdido”, por assim dizer, entre Platão e as formas modernas de totalitarismo.

A maioria dos totalitarismos modernos, […] sabem da sua dívida para com Hegel, e todos eles foram criados na atmosfera próxima do Hegelianismo. Eles foram ensinados a adorar o estado, a história e a nação.[11]

Sobre a adoração de Hegel ao estado, Popper cita passagens arrepiantes e reveladoras:

O Estado é a Ideia Divina sob a forma que essa existe na terra […] Nós precisamos, portanto, adorar o Estado enquanto manifestação de Divino na terra […] O Estado é a marcha de Deus pelo mundo […] O Estado deve ser compreendido como um organismo […]

Ao Estado completo pertence, essencialmente, consciência e pensamento. O Estado sabe o que deseja […] O Estado […] existe por si mesmo […] O Estado é a vida moral atualmente existente e realizada.[12]

Todo esse discurso retórico é bem caracterizado por Popper como “platonismo histérico e bombástico”.

Muito disso foi inspirado pelos amigos e imediatos predecessores filosóficos de Hegel, homens como o posterior Fichte, Schelling, Schlegel, Schiller, Herder e Schleiermacher. Mas foi tarefa particular de Hegel transformar suas doutrinas obscuras para o trabalho de fazer apologética ao poder absoluto do existente estado prussiano.

Assim, o discípulo admirador de Hegel, F.J.C. Schwegler, revelou o seguinte em sua História da Filosofia:

A totalidade da fama e atividade dele [de Hegel], contudo, data propriamente apenas de seu chamado para Berlim em 1818. Aqui levantou-se em torno dele uma escola numerosa, amplamente extensa e extremamente ativa; aqui, também, ele adquiriu, de suas conexões com a burocracia prussiana, reconhecimento político de seu sistema como a filosofia oficial; não sempre significando um avanço da liberdade interior de sua filosofia, ou de seu valor moral.[13]

Com a Prússia como foco central, o hegelianismo foi capaz de varrer a filosofia alemã durante o século XIX, dominando em todas as áreas, exceto nas áreas católicas do sul da Alemanha e da Áustria. Como Popper coloca,

“tendo se tornado um tremendo sucesso no continente, o hegelianismo dificilmente podia falhar em obter suporte na Britânia daqueles que [sentiram] que tal poderoso movimento deveria, depois de tudo, ter algo para oferecer…”

De fato, o homem que introduziu primeiro Hegel aos leitores ingleses, Dr J. Hutchinson Stirling, comentou com admiração, um ano após a vitória relâmpago da Prússia contra a Áustria:

“De fato, não é para Hegel, e especialmente para sua filosofia da ética e política, que a Prússia deve sua poderosa vida e organização que está agora rapidamente desenvolvendo?”[14]

Finalmente o contemporâneo e conhecido de Hegel, Arthur Schopenhauer, denunciou a aliança estado-filosófica que guiou Hegel a uma poderosa força no pensamento social:

A filosofia é mal utilizada, do lado do estado como uma ferramenta, do outro lado como um meio de ganho […] Quem pode realmente acreditar que a verdade assim virá à luz, apenas como um subproduto? […] Governos fazem da filosofia um meio de servir seus interesses estatais, e os estudiosos a fizeram um ofício… (ênfases de Schopenhauer)[15]

Em adição à influência política, Popper ofereceu uma explicação complementar da influência generalizada de outra forma intrigante de G.W.F. Hegel: a atração dos filósofos por jargões e palavreados espalhafatosos quase por si só, seguidos pela credulidade de um público fiel.

Assim, Popper cita uma declaração do hegeliano inglês Stirling: “A filosofia de Hegel, então, foi […] um escrutínio de pensamento tão profundo que foi em grande parte ininteligível”. Profundo por sua ininteligibilidade! Falta de clareza como virtude e prova de profundidade!

Popper acrescenta:

os filósofos mantiveram em torno de si, mesmo em nossos dias, algo da atmosfera do mágico.

A filosofia é considerada um tipo estranho e abstruso de coisa, lidando com as coisas com as quais a religião lida, mas não de um jeito que pode ser “revelado à bebês” ou às pessoas comuns; é considerada ser profunda demais para isso, e é a religião e a teologia dos intelectuais, dos eruditos e sábios. O hegelianismo se encaixa admiravelmente nessas visões; é exatamente o que essa superstição popular imagina que a filosofia seja.[16]

11.4 Hegel e a Era Romântica

G.W.F. Hegel, infelizmente, não era uma força aberrante bizarra no pensamento europeu. Ele era apenas um, talvez o mais influente e o mais convoluto e hipertrófico do que deve ser considerado o paradigma dominante de seu tempo, a celebrada Era do Romantismo.

Em diferentes variantes e em diferentes caminhos, os escritores românticos da primeira metade do século XIX, especialmente na Alemanha e Grande Grã-Bretanha, poetas e novelistas, bem como filósofos, foram dominados por uma criatologia e escatologia similares.

Isso pode ser denominado mito da “alienação e retorno” ou “reabsorção”. Deus criou o universo a partir da imperfeição e necessidade sentida, assim dividindo tragicamente o homem, a espécie orgânica, de sua (da espécie?) unidade com Deus de pré-criação.

Enquanto essa transcendência, esse Aufhebung, da criação permitiu a Deus e ao homem, ou Deus-homem, desenvolverem sua (da espécie?) faculdade e progredir, a trágica alienação continuará, até aquele dia, inevitável e determinado, no qual Deus e o homem irão se fundir em uma única bolha cósmica.

Ou, ao invés disso, sendo panteístas como era Hegel, até o homem descobrir que ele é o homem-Deus, e a alienação do homem pelo homem, do homem pela natureza e do homem por Deus será encerrada com todos sendo fundidos em uma grande bolha, a descoberta da realidade e, portanto, a fusão na Unidade Cósmica.

A história, a qual foi pré-determinada em direção ao seu objetivo, então chegará a um fim. Na metáfora romântica, o homem, o “organismo” genérico, é claro, não o indivíduo, finalmente “retornará para casa”. A história é, portanto, uma “espiral ascendente” ao destino determinado do Homem, um retornar para o lar, mas em um nível maior que da unidade original, ou casa, com Deus na época de pré-criação.

A dominação dos escritores românticos por tal paradigma foi exposta brilhantemente pelo principal crítico do romanticismo, M.H. Abrams, que aponta para essa linhagem líder na literatura inglesa que se estende de Wordsworth até D.H. Lawrence.

Wordsworth, enfatiza Abrams, dedicou toda sua produção para um “argumento altamente romântico” ou “heróico”, na tentativa de responder e transcender o poema de época de Milton de uma visão ortodoxa cristã do homem e Deus.

Para combater a visão do cristianismo de Milton do Céu e Inferno como alternativas às almas individuais, e do Segundo Advento de Jesus colocando um fim à história e retornando o homem ao paraíso, Wordsworth, em seu próprio “argumento”, contrapõe sua visão panteísta da espiral ascendente da história para uma unificação cósmica e o consequente retorno do homem, partindo da alienação, para a casa.[17]

O eventual eschaton, o Reino de Deus, é pego do seu lugar cristão no Céu e trazido à terra, assim, como sempre que o eschaton é imanentizado, criando problemas ideológicos sociais e políticos extremamente graves. Ou, para usar o conceito de Abrams, a visão romântica constituiu a secularização da teologia.

Os épicos gregos e romanos, afirmou Wordsworth, cantaram de “Arms and the Man[18]”, “Até então o único argumento considerado heróico”. Em contraste, no início de seu grande Paraíso Perdido, Milton declara:

“Que na altura deste grande Argumento

Eu posso afirmar a Providência Eterna

E justificar os caminhos de Deus para o homem”.

Wordsworth agora proclamou que seu próprio argumento superando o de Milton foi instilado nele por “poderes divinos e faculdades” de Deus, o permitindo (pressagiando os anseios de Marx) criar seu próprio mundo, mesmo que ele perceba, em um lampejo incomum de realismo, que “alguns chamaram de loucura”.

Pois lá “passou dentro” dele o “Gênio, Poder, Criação e Divindade em si mesmos”. Wordsworth concluiu que

“Isso é, na verdade, um argumento heroico”,          um “argumento

Não menos, mas mais heróico do que a ira

Do severo Aquiles”.

Outros ingleses imersos no paradigma Wordsworthiano foram seus devotos seguidores Coleridge, Shelley, Keats e até mesmo Blake, que, contudo, tentou misturar cristianismo e panteísmo.

Todos esses escritores estavam imersos na doutrina cristã, a partir da qual eles poderiam derivar a sua própria versão herética e panteísta do milenarismo. O próprio Wordsworth foi treinado para tornar-se um sacerdote anglicano.

Coleridge foi um filósofo e pregador leigo, que estava à beira de se tornar um ministro unitarista, e estava imerso no neoplatonismo e nos trabalhos de Jacob Boehme, Keats foi um discípulo explícito do programa wordsworthiano, que ele chamou de um meio para a salvação secular. E Shelley, embora um ateísta explícito, idolatrou o “abençoado” Milton acima de todos os outros poetas, e estava constantemente imerso no estudo da Bíblia.

Também deve ser notado que Wordsworth, como Hegel, foi um jovem entusiasta da Revolução Francesa e de seus ideais e posteriormente, desiludido, voltou-se ao estatismo conservador e à versão panteísta da inevitável redenção através da história.

Os românticos alemães estavam ainda mais imersos na religião e misticismo que sua contraparte inglesa. Hegel, Friedrich von Schelling, Friedrich von Schiller, Friedrich Hölderlin, Johann Gottlieb Fichte, eram todos teólogos estudantes, a maioria deles com Hegel na Universidade de Tübingen.

Todos deles tentaram explicitamente aplicar a doutrina religiosa para sua filosofia. Novalis era imerso na Bíblia. Além do mais, Hegel dedicou muita atenção favorável a Boehme em suas Lições sobre a História da Filosofia, e Schelling chamou Boehme de um “fenômeno miraculoso na história da humanidade”.

Além disso, foi Friedrich Schiller, o mentor de Hegel, que foi influenciado pelo escocês Adam Ferguson para que denunciasse a especialização e a divisão de trabalho como alienação e fragmentação do homem, e foi Schiller quem influenciou Hegel na década de 1790 ao cunhar o conceito explícito de Aufhebung e a dialética.[19]

Na Inglaterra, várias décadas depois, o escritor estatista tempestuoso conservador Thomas Carlyle prestou tributo a Friedrich Schiller escrevendo uma biografia daquele escritor romântico em 1825. A partir de então, os escritos de Carlyle foram permeados com a visão hegeliana. Unidade é boa, e diversidade e separação é má e doentia.

A ciência bem como individualismo é divisão e desmembramento. A individualidade, disse Carlyle, é alienação da natureza, dos outros e de si mesmo. Mas um dia virá a descoberta, o renascimento espiritual, liderado por figuras históricas mundiais (“grandes homens”) pelo qual o homem retornará para um mundo amigável por meio do cancelamento total, a “aniquilação do Self” (Selbst-todtung).

Finalmente, em Passado e Presente (1843), Carlyle aplicou sua profunda visão anti-individualista (e, alguém poderia acrescentar, anti-humana) dos assuntos econômicos. Ele denunciou o egoísmo, ganância material e laissez-faire, que, pela separação de um homem do outro, tem guiado o mundo:

que se tornou um outro sem vida, e em separação também de outros seres humanos dentro de uma ordem social em que ‘o pagamento em dinheiro é […] o único nexo do homem com o homem’.

Em oposição à lei do “nexo de dinheiro”, metafisicamente enferma estava a familiar relação com a natureza e os semelhantes, a relação de “amor”. O palco estava pronto para Karl Marx.[20]

11.5 Marx e o Hegelianismo revolucionário de esquerda

A morte de Hegel em 1831 inevitavelmente inaugurou uma nova e muito diferente época na história do Hegelianismo. Hegel deveria trazer o fim da história, mas agora Hegel estava morto, e a história continuava a marchar.

Então se o próprio Hegel não era a culminação final da história, então talvez o estado prussiano de Friedrich Wilhelm III não era também o estágio final da história. Mas se não era a fase final da história, então não poderia a dialética da história estar preparando-se para mais uma reviravolta, outro Aufhebung?

Dotados desse raciocínio, grupos de jovens radicais, durante o fim da década de 1830 e na de 1840 na Alemanha e em outros lugares, formaram o movimento dos jovens hegelianos ou hegelianos de esquerda.

 Desiludidos com o estado prussiano, os jovens hegelianos proclamaram a inevitável revolução apocalíptica que estava chegando para destruir e transcender aquele estado, uma revolução que iria realmente trazer o fim da história na forma do comunismo nacional ou mundial.

Um dos primeiros e mais influentes hegelianos de esquerda foi um polonês, Conde Augusto Cieszkowski (1814-94) que escreveu na Alemanha e publicou em 1838 seu Prolegômeno à Historiografia. Cieszkowski trouxe para o hegelianismo uma nova dialética da história, uma nova variante das três eras do homem.

A primeira era, a era da antiguidade, era, por alguma razão, a era da emoção, a época do sentimento puro, ou do pensamento não reflexivo, de imediatez e unidade elementais com a natureza. O “espírito” era “em-si” (an sich).

A segunda era da humanidade, a era cristã, indo do nascimento de Jesus até a morte do grande Hegel, era a era do pensamento, da reflexão, na qual o “espírito” moveu-se “para-si”, na direção da abstração e universalidade.

Mas o cristianismo, a era do pensamento, era também uma era da dualidade intolerável, do homem separado de Deus, ou espírito separado da matéria, e o pensamento da ação.

Finalmente, a terceira e culminante era, a era vindoura, anunciada pelo Conde Cieszkowski, era para ser a era da ação. Em suma, a terceira era pós-hegeliana seria uma era da ação prática, na qual o pensamento de ambos, do cristianismo e de Hegel, seriam transcendidos e encorpados em um ato de vontade, uma revolução final para derrubar e transcender as instituições existentes.

Para o termo “ação prática”, Cieszkowski emprestou o termo grego praxis para sumarizar a nova era, um termo que iria logo adquirir praticamente influência talismânica no marxismo. Essa Era final da ação traria, finalmente, uma abençoada unidade de pensamento e ação, teoria e práxis, espírito e matéria, Deus e terra, e total “liberdade”.

Junto com Hegel e os místicos, Cieszkowski enfatizou que todos os eventos passados, até mesmo aqueles aparentemente maléficos, eram necessários para a culminante salvação última.

Em uma obra publicada na França em Paris em 1844, Cieszkowski também anunciou a nova classe destinada a se tornar os líder da sociedade revolucionária: a intelligentsia, uma palavra que fora cunhada recentemente por um polonês educado na Alemanha, B.F. Trentowski, que tinha publicado sua obra em uma Poznan ocupada pela Prússia.[21]

Cieszkowski assim anunciou e glorificou um desenvolvimento que iria pelo menos estar implícito no movimento marxista (afinal, os grandes marxistas, incluindo Marx, Engels e Lenin, eram todos intelectuais burgueses ao invés de filhos do proletariado).

Se não na teoria, essa dominância dos movimentos marxistas e governos por uma “nova classe” de intelligentsia foi certamente a história do marxismo na “práxis”.

Essa dominância por uma nova classe foi notada e atacada do início do marxismo até o dia presente: notavelmente pelo anarco-comunista Bakunin e pelo revolucionário polonês Jan Waclaw Machajski (1866-1926), durante e depois da década de 1890.[22]

Foi também um insight similar do Partido Social Alemão que levou Robert Michels a abandonar o marxismo e desenvolver sua famosa “lei de ferro da oligarquia” – que todas as organizações, seja privada, governamental ou partidos marxistas, inevitavelmente acabariam sendo dominadas por uma elite de poder.

Cieszkowski, contudo, não foi destinado a pegar a onda do futuro socialismo revolucionário. Pois ele escolheu o caminho cristão messiânico, ao invés de ateísta, para a nova sociedade. Em sua enorme obra inacabada de 1848, Pai Nosso (Ojcze nasz), Cieszkowski sustentou que a nova era do comunismo revolucionário seria uma terceira era, uma era do Espírito Santo (tons de joaquinismo!), uma era que traria o Reino de Deus na terra “como se estivesse no céu”.

Assim, o Reino de Deus final na terra iria reintegrar toda a “humanidade orgânica”, e apagariatodas as identidades nacionais, com o mundo governado por um Governo Central de Toda Humanidade, dirigido por um Conselho Universal do Povo.

Mas naquela época, não estava claro que o caminho do messianismo cristão estava destinado a ser um perdedor no debate intra-socialista.

Portanto, Alexander Ivanovich Herzen (1812-70), um fundador da tradição russa revolucionária, ficou encantado com a marca de Cieszkowski do hegelianismo de esquerda, escrevendo que “a sociedade futura é para ser a obra não do coração, mas do concreto. Hegel é o novo Cristo trazendo a palavra da verdade para os homens […]”[23]

E logo, Bruno Bauer, amigo e mentor de Karl Marx e o líder do Doktorklub dos jovens hegelianos na Universidade de Berlim, saudou a nova filosofia da ação no final de 1841 como “A Chamada da Trombeta do Juízo Final”.[24]

Mas a vertente vencedora no movimento socialista europeu, como nós indicamos, foi eventualmente o ateísmo de Karl Marx. Se Hegel panteistizou e elaborou a dialética dos messiânicos cristãos, Marx agora “colocou Hegel de cabeça para baixo” tornando ateia a dialética, ao apoiá-la, não no misticismo, na religião, no “espírito”, ideia absoluta ou mente-do-mundo, mas na suposta fundação sólida e “científica” do materialismo filosófico. Marx adotou seu materialismo do hegeliano de esquerda Feuerbach, particularmente sua obra em A essência do Cristianismo (1843).

Em contraste à ênfase hegeliana no “espírito”, Marx estudaria as alegadas leis científicas da matéria de alguma maneira operando através da história. Marx, em suma, pegou a dialética e a fez o que nós podemos chamar de “materialismo dialético da história”.

Muita confusão desnecessária foi feita sobre a terminologia aqui. Muitos apologistas marxistas têm sustentado ferozmente que o próprio Marx nunca usou o termo “materialismo dialético” – como se o mero não-uso dos termos livrasse a barra de Marx – e também que o conceito apenas apareceu mais tarde nas obras de Engels como o Anti-Dühring. Mas o Anti-Dühring, publicado antes da morte de Marx, foi, como todos os outros escritos de Engels, discutido com Marx primeiro, e então temos de assumir que Marx aprovou.[25]

A confusão decorre do fato que o termo “materialismo dialético” foi amplamente enfatizado pelo movimento marxista-leninista da década de 1930 e da de 1940, hoje em dia geralmente desacreditado. O conceito foi aplicado por Engels, que dos dois fundadores estava particularmente interessado nas ciências naturais, à biologia.

Aplicado à biologia, como Engels fez no Anti-Dühring, o materialismo dialético tem um ar inconfundivelmente louco. De uma maneira ultra-hegeliana, contradições da lógica e contradições lógicas, ou “negações”, são irremediavelmente confundidas com os processos da realidade. Assim: borboletas

“vêm a existir do ovo a partir da negação [ou transcendência] do ovo […] elas são negadas novamente quando morrem”. E “o grão de cevada […] é negado e é suplantado pela planta de cevada, a negação do milho […] A planta cresce […] frutifica-se e produz novamente grãos de cevada e assim que estes amadurecem, a espiga seca é negada. Como resultado dessa negação da negação nós ganhamos o grão de cevada original […] em uma quantidade dez, vinte, ou trinta vezes maior”.[26]

Além do mais, o próprio Marx, e não apenas Engels, era também interessado em Darwin e na ciência biológica. Marx escreveu para Engels que a obra de Darwin “serve-me como uma base nas ciências naturais para a luta de classes na história” e que “esse é o livro o qual contém a base na história natural para nossa visão”.[27]

Ao reformular a dialética em termos materialistas e ateístas, contudo, Marx desistiu do poderoso motor da dialética conforme ela operou através da história: seja o messianismo cristão ou a providência ou a consciência de si crescente do espírito do mundo.

Como poderia Marx encontrar um substituto materialista “científico”, recentemente fundado nas inelutáveis “leis da história”, que iria explicar a inevitabilidade da iminente transformação apocalíptica do mundo no comunismo?

É uma coisa basear a previsão do Apocalipse à caminho sobre a Bíblia; outra muito diferente é deduzir esse evento das alegadas leis científicas. Expor as especificidades desse motor da história ocuparia Karl Marx pelo resto de sua vida.

Embora Marx considerasse Feuerbach indispensável para adotar posições ateístas e materialistas completas, Marx logo considerou que Feuerbach não foi longe o suficiente. Mesmo que Feuerbach fosse um comunista filosófico, ele basicamente acreditava que se o homem renegar a religião, então sua alienação de seu si mesmo estaria acabada.

Para Marx, a religião era apenas um dos problemas. O mundo inteiro do homem (o Menschenwelt) estava alienado, e tinha de ser radicalmente derrubado, enraizado e ramificado. Apenas a destruição apocalíptica desse mundo do homem permitiria que a verdadeira natureza do homem fosse realizada. Apenas então o existente “não-homem” (Unmensch) verdadeiramente tornar-se-ia homem (Mensch).

Como Marx vociferou na quarta de suas “teses sobre Feuerbach”,

“deve-se proceder para destruir [a] ‘família terrena’ [como ela é] ‘tanto na teoria como na prática’”.[28]

Em particular, declarou Marx, o verdadeiro homem, como Feuerbach argumentou, é um “ser comunal” (Gemeinwesen) ou “ser de espécie” (Gattungswesen). Embora o estado como existe deva ser negado ou transcendido, a participação do homem no estado opera como a de um ser comunal.

O problema principal se dá na esfera privada, o mercado, ou “sociedade civil”, na qual o não-homem age como um egoísta, como uma pessoa privada, tratando os outros como meios, e não coletivamente como mestres de seus destinos. E na sociedade existente, infelizmente, a sociedade civil é primária, enquanto o estado, ou “comunidade política”, é secundário.

O que precisa ser feito para realizar a natureza completa da humanidade é transcender o estado e a sociedade civil politizando toda a vida, tornando todas as ações do homem coletivas. Então, o homem como indivíduo real se tornará um verdadeiro e completo “ser de espécie”.[29]

Mas apenas uma revolução, uma orgia de destruição, pode acompanhar essa tarefa. E aqui, Marx voltou ao apelo da destruição total que tinha animado sua visão do mundo em poemas de sua juventude.

De fato, em um discurso em Londres de 1856, Marx daria uma expressão gráfica e amorosa para esse objetivo de sua “práxis”. Ele mencionou que na Alemanha na Idade Média havia existido um tribunal secreto chamado o Vehmgericht.

Ele então explicou:

“Se uma cruz vermelha fosse vista marcada em uma casa, as pessoas sabiam que seu dono havia sido condenado pelo Vehm. Todas as casas da Europa estão agora marcadas com a misteriosa cruz vermelha. A história é o juiz — seu executor, o proletariado”.[30]

Marx, de fato, não estava satisfeito com o comunismo filosófico ao qual ele e Engels tinham sido separadamente convertidos pelo hegeliano de esquerda ligeiramente mais velho Moses Hess (1812-75) no início da década de 1840.

Ao comunismo de Hess, Marx, pelo fim de 1843, adicionou a ênfase crucial no proletariado, não simplesmente como uma classe econômica, mas como destinado a tornar-se a “classe universal” quando o comunismo fosse alcançado.

Como nós indicamos acima, Marx, na realidade, adquiriu sua visão do proletariado como uma chave à revolução comunista da obra de 1842 de Lorenz von Stein, um inimigo do socialismo, que interpretou os movimentos comunista e socialista como racionalizações dos interesses de classe do proletariado.

Marx descobriu no ataque de Stein a engrenagem “científica” pela inevitável revolução comunista vindoura. O proletariado, a classe mais “alienada” e supostamente “sem propriedade”, seria a chave.

Marx agora tinha elaborado o esboço de sua visão messiânica secular: uma dialética materialista da história, com a revolução apocalíptica final para ser alcançada pelo proletariado. Mas como especificamente isso seria realizado? A visão não bastava.

Quais leis científicas da história poderiam trazer este objetivo querido? Felizmente, Marx tinha um ingrediente crucial para sua solução visada às suas mãos: no conceito saint-simoniano de história humana enquanto guiada por uma luta inerente entre as classes econômicas. A luta de classes junto com o materialismo histórico seria um ingrediente essencial para a dialética material marxista.

11.6 Marx como utópico

Apesar da afirmação de Marx de ser um “socialista científico”, desprezando todos os outros socialistas que ele descartou como moralistas e “utópicos”, deve ser claro que o próprio Marx estava ainda mais na tradição messiânica utópica do que estavam os “utópicos” competidores.

Pois Marx não apenas buscou uma sociedade futura que colocaria um fim para a história: ele acreditou ter encontrado o caminho em direção àquela utopia inevitavelmente determinada pelas “leis da história”.

Mas um utópico, e fervoroso, Marx certamente era. Uma marca registrada de toda utopia é o desejo militante de colocar um fim à história, de paralisar a humanidade em um estado estático, de colocar um fim à diversidade e a livre vontade do homem, e de ordenar a vida de todo mundo de acordo com o plano utópico totalitarista.

Muitos dos primeiros comunistas e socialistas estabeleceram suas utopias fixas em grandes e absurdos detalhes, determinando o tamanho dos aposentos de todos, a comida que iriam comer, etc. Marx não foi tolo o bastante para fazer isso, mas seu sistema inteiro, como Thomas Molnar apontou, é “a busca da mente utópica pela definitiva estabilização da humanidade ou, em termos gnósticos, sua reabsorção na atemporalidade”.

Para Marx, sua busca pela utopia era, como veremos, um ataque explícito à criação de Deus e um desejo feroz de destruí-la. A ideia de esmagar a maioria, as diversas facetas da criação, e do retorno a uma alegada unidade perdida com Deus começa, como vimos, com Plotino. Como Molnar resume:

Nessa visão, a própria existência é uma ferida no não-ser. Os filósofos, de Plotino a Fichte e além, têm sustentado que a reabsorção do universo policromo no eterno Uno seria preferível à criação.

Sem essa solução, eles propõem organizar um mundo no qual a mudança seja controlada para que seja posto um fim ao perturbador livre arbítrio e aos movimentos desconhecidos da sociedade.

Eles aspiram a retornar do conceito linear hebraico-cristão ao ciclo greco-hindu – isso é, a uma ausência de mudança, uma permanência atemporal.

O triunfo da unidade sobre a diversidade significa que, para os utópicos, incluindo Marx, “a sociedade civil, com sua diversidade perturbadora, pode ser abolida”. Molnar, então, apresenta o interessante ponto de que Hayek e Popper refutam o marxismo demonstrando

que nenhuma mente – nem mesmo um Politburo equipado com supercomputadores – pode prever as mudanças do mercado, sua miríade de componentes de indivíduos e interações, elas erram o alvo.

Marx concorda com eles. Mas, ele deseja abolir o mercado e sua economia, bem como seus componentes intelectuais (“legal, político, filosófico, religioso, estético”), para restaurar um mundo simples — uma paisagem monocromática. Sua economia não é economia, mas sim um instrumento de controle total.[31]

Certo, certo, mas, como a história dos países comunistas tem mostrado, não há muitos seguidores de Marx que estão dispostos a se contentar com um mundo no qual o cálculo econômico não é possível, e, portanto, onde a produção colapsa e segue-se a fome universal.

O substituto de Marx para a vontade de Deus ou a dialética hegeliana do mundo-espírito ou ideia absoluta, é o monismo materialista, em seu pressuposto central, como Molnar coloca,

“que o universo consiste em matéria com algum tipo de lei unidimensional imanente na matéria”.

Neste caso,

“o próprio homem é reduzido a um agregado complexo, mas manipulável, de matéria, vivendo na companhia de outros agregados, e formando super agregados crescentemente complexos chamados sociedades, corpos políticos e igrejas”.

As supostas leis da história são, então, derivadas por marxistas científicos como supostamente evidentes e imanentes na própria matéria.

O processo marxista em direção à utopia, assim, é o homem adquirindo percepções de sua própria verdadeira natureza, e assim rearranjando o mundo para ficar de acordo com essa real natureza.

 Engels, de fato, explicitamente proclamou o conceito hegeliano do homem-Deus:

“Até agora a questão sempre esteve: O que é Deus? — e o filósofo alemão [hegeliano] resolveu isso da seguinte maneira: Deus é homem […] O Homem deve agora arranjar o mundo em um caminho verdadeiramente humano, de acordo com as exigências de sua natureza”.[32]

Mas esse processo está repleto de autocontradições; por exemplo, e principalmente, como pode a mera matéria ter insights de sua natureza? Como Molnar coloca:

 “Pois como pode a matéria ter insights? E se ela tem insights, não é inteiramente matéria, mas matéria com algo extra”.

Neste alegado processo inevitável, surgindo da utopia comunista do proletariado depois de a classe proletária ter se tornado consciente de sua real natureza, qual deveria ser o papel do próprio Karl Marx? Na teoria hegeliana, o próprio Hegel é a figura histórica mundial maior e final, o homem-Deus dos homens-Deuses.

Similarmente, Marx, em suas visões, mantém-se no ponto focal da história como o homem que trouxe ao mundo o conhecimento crucial da verdadeira natureza do homem e das leis da história, portanto, servindo como “parteiro” do processo que colocaria um fim à história. Assim, Molnar:

Como outros escritores gnósticos e utópicos, Marx está muito menos interessado nos estágios da história até o presente (o egoísta agora entre todos os escritores utópicos) que nos estágios finais quando o material do tempo se torna mais concentrado, quando o drama se aproxima de seu desfecho.

De fato, o escrito utópico concebe a história como um processo que se guia para si mesmo, na medida em que ele, o compreendedor supremo, encontra-se no centro da história. É natural que as coisas acelerem durante seu próprio tempo de vida e cheguem em um divisor de águas: ele se destaca entre o Antes e o Depois.[33]

A conquista da utopia marxista é, além disso, dependente da liderança e supervisão da Cadre marxista, os possuidores do conhecimento especial das leis da história, que irão proceder para transformar a humanidade em um novo homem socialista pelo uso da força.

Na tradição judaico-cristã, a existência do mal se dá por conta do livre arbítrio do indivíduo. Nos sistemas monistas, determinísticos, por outro lado, toda a história deve ser determinada por leis fixas, e, portanto, o mal pode apenas ser aparente, quando, em verdade, age em um sentido mais profundo como um servo do bem superior.

Todo mal aparente deve ser verdadeiramente bom, e servir em alguma medida ao plano determinado, seja para o desdobramento do Deus-homem ou uma versão ateísta dele. Coagir as pessoas pela Cadre para criar um novo homem socialista não pode ser mal ou inaceitável numa sociedade justa. Pelo contrário, é o dever da vanguarda marxista, eles que são os servos do próximo e inevitável estágio da história, impor tal regime.

Esse é um dever para a história, essa alegada entidade para a qual a Cadre está em serviço, e a quem (a qual?) é destinado julgar as ações do passado, julgá-las como moral ou imoral, avançando o nascimento do alegado futuro histórico inevitável, ou impedi-lo. Em suma, a história ou a cadre tem o privilégio e dever de julgar qualquer pessoa ou movimento como sendo “progressista” (i.e. avançando a marcha determinada da história) ou “reacionário” (retardando essa marcha inevitável).

Notas

[1]      Sobre a alienação em Marx enquanto enraizada na troca e divisão do trabalho, e não simplesmente na relação salarial capitalista, veja Paul Craig Roberts, Alienation and the Soviet Economy (Albuquerque, NM: University of New Mexico Press, 1971); e Paul Craig Roberts e Matthew A. Stephenson, Marx’s Theory of Exchange, Alienation, and Crisis (Segunda ed., New York: Praeger, 1983).

[2]      Nas variantes extremas, tais como os heréticos gnósticos da era primitiva cristã, a criação da matéria era em si puro mal, um ato do Demônio, ou Demiurgo, com o espírito permanecendo divino.

[3]      Robert C. Tucker, Philosophy and Myth in Karl Marx (Cambridge: Cambridge University Press, 1961), p. 39.

[4]      Ibid., p. 41. Esses e outros ensaios por Hegel foram publicados como uma coleção de Early Theological Writings {Escritos Teológicos da Juventude}em 1907.

[5]      Ibid., pp. 53-4.

[6]      Citado em Raymond Plant, Hegel (Bloomington, Ind.: Indiana University Press, 1973), p.120.

[7]      Hegel era também influenciado pelo grande rival de Steuart, Adam Smith, mas infelizmente na direção errada. A partir do A Riqueza das Nações, Hegel concluiu que a divisão do trabalho havia trazido ao homem a miséria da especialização, alienação, etc.

De modo mais interessante, da famosa linha do amigo de Smith, Rev. Adam Ferguson, sobre os eventos que são “o produto da ação humana, mas não do design humano”, Hegel retirou a ideia de que cada agente individual da alma do mundo persegue os propósitos da alma do mundo sem intenção consciente. Esse é o Famoso conceito de Hegel de “astúcia da razão” em operação através da história.

                Ferguson, por sua vez, chegou em sua famosa frase, não pela análise do livre mercado, como Hayek implicou, mas de uma tentativa de mostrar que a revolta de 1745 na Escócia – que quase teve sucesso de colocar os temíveis Jacobitas Católicos no poder – estava inconscientemente perseguindo o propósito benevolente de Deus de agitar os presbiterianos escoceses – supostos a ser, é claro, a verdadeira Igreja de Deus – para fora de sua apatia religiosa.

Em suma, os católicos escoceses, embora conscientemente perseguindo fins malignos, estavam involuntariamente realizando os designs de Deus. Do mal aparente, o bem. De modo semelhante, quando Hegel, mais tarde, saudou Napoleão como o homem “histórico mundial”, ele viu Napoleão enquanto intentando perseguir o mal, mas inconscientemente ampliando o design benevolente de Deus. Veja Richard B. Sher, Church and University in Scottish Enlightenment (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1985), pp. 40-44.

[8]      Plant, op. cit., nota 6, p. 96.

[9]      Veja ibid., pp. 122, 123, 181.

[10]    Tucker, op. cit., nota 3, pp.54-5. E.F. Carritt aponta que, para Hegel, “liberdade” é “desejar, acima de todas as coisas, servir ao sucesso e glória de seu Estado. Ao desejar isso, eles estão desejando que a vontade de Deus seja feita […]”. Se um indivíduo pensa que deve fazer algo que não é para o sucesso e gloria do estado, então, para Hegel, “ele deve ser ‘forçado a ser livre’.”

                Como uma pessoa sabe qual ação irá contribuir para a glória do estado? Para Hegel a resposta era fácil. O que quer que os regentes do estado demandem, uma vez que “o próprio fato deles serem regentes é o sinal mais certo da vontade de Deus de que eles devem ser.” Lógica impecável, de fato! Veja B.P. Carritt, ‘Reply’ (1940), reimpresso em W. Kaufmann, (ed.), Hegel’s Political Philosophy (Nova York: Atherton Press, 1970), pp. 38-9.

[11]    Karl R. Popper, The Open Society and its Enemies (Quinta ed., Princeton, NJ: Princeton University Press, 1966), II, pp. 30-31.

[12]    Ibid., p. 31.

[13]    Ibid., p. 33.

[14]    Em 1867. Veja ibid., p. 34.

[15]    Ibid., p. 33.

[16]    Ibid., pp. 27, 30. Para uma explicação de o que Popper se refere como o “estilo-scherzo” de seu capítulo sobre Hegel, veja ibid., pp 393-5.

[17]    M.H. Abrams, Natural Supernaturalism: Tradition and Revolution in Romantic Literature (Nova York: Norton, 1971). O retrato de Milton da Queda e do Segundo Advento é verdadeiramente eloquente e comovente. Sobre a perda do Éden:

Adeus campos contentes

Onde a alegria é sempre presente […]

E sobre o Segundo Advento:

“O tempo retrocederá e alcançará a era dourada”,

“E, então, por fim, nossa benção

Completa e perfeita estará,

Mas é agora que começará […]”.

[18]    Nota do Tradutor: Referência a comédia de George Bernard Shaw, a opção pela manutenção em inglês do termo é em virtude do seu teor poético, dificilmente transponível em alguma tradução literal. Uma tradução aproximada tentou ser dada por Camões: “canto as armas e o varão…”.

[19]    Sobre a influência das visões de Schiller do organicismo e da alienação em Hegel, Marx e na sociologia posterior, veja Leon Bramson, The Political Context of Sociology (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1961), p. 30n

[20]    Veja Abrams, op. cit., nota 17, p. 311.

[21]    B.P. Trentowski, The Relationship of Philosophy to Cybernetics (Poznan, 1843), no qual o autor também cunhou a palavra “cibernética” para a nova e emergente forma da tecnologia social-racional que transformaria a humanidade. Veja James H. Billington, Fire in the Minds of Men: Origins of the Revolutionary Faith (New York: Basic Books, 1980), p.231.

[22]    Sobre Machajski, veja Paul Avrich, The Russian Anarchists (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1967), pp. 102-6. A solução preferida de Machajski ao problema da dominação pelos intelectuais dificilmente convencia. Machajski pediu por uma organização secreta dos trabalhadores revolucionários, A Conspiração dos Trabalhadores, presumivelmente direcionada por ele mesmo, que iria guiar a revolução proletária, e estabelecer uma sociedade “sem classes” livrada das distinções malignas entre trabalho manual e mental.

[23]    Billington, op. cit., nota 20, p. 225.

[24]    É a Bauer que o termo deve os termos crítico e criticismo, que os marxistas têm a longo empregado como repetidos slogans sem fim desde, e.g., ‘Critique of Critical Theory’, ‘Critical Legal Studies’, etc.

[25]    De acordo com Schumpeter, ademais, Marx foi virtualmente um co-autor do Anti-Dühring. Joseph A. Schumpeter, Capitalism, Socialism, and Democracy (Nova York: Harper & Bros., 1942), p. 39n.

[26]    Engels, Anti-Dühring, citado em Ludwig von Mises, Theory and History (Terceira ed., Auburn, Ala.: Ludwig von Mises Institute, 1985), p. 105. Veja também o comentário sarcástico sobre essa passagem por Alexander Gray, The Socialist Tradition (London: Longmans, Green, 1946), p. 300n.

Gray também comenta que o resumo da dialética de Marx em A Miséria da Filosofia, não é desprovido de “valor de entretenimento”:

‘O sim se torna não, o não se torna sim, o sim se torna as vezes sim e as vezes não, e o não se torna as vezes não e as vezes sim, os contrários compensam, neutralizam e paralisam uns aos outros. (Minha própria tradução da citação francesa de Gray.)

[27]    Marx para Engels, 16 Jan. 1861 and 19 Dec. 1860. See Gary North, Marx’s Religion of Revolution: Regeneration Through Chaos (segunda ed., Tyler, Texas: Institute for Christian Economics, 1989), pp. 89n-90n.

[28]    Tucker, op. cit., nota 3, p. 101.

[29]    Ibid., p. 105.

[30]    Ibid., p. 15.

[31]    Thomas Molnar, “Marxism and the Utopian Theme”, Marxist Perspectives (Inverno 1978), pp. 153-4. O economista David McCord Wright, embora não tenha mergulhado nas raízes religiosas do problema, enfatizou que um grupo na sociedade ,os estatistas, buscam “a Conquista de um padrão ideal fixo estático da organização técnica social. Uma vez que esse ideal for alcançado, ou chegado perto, ele precisa somente de ser repetido infinitamente depois disso”. David McCord Wright, Democracy and Progress (New York: Macmillan, 1948), p. 21.

[32]    Molnar, op. cit., nota 30, pp. 149, 150-51.

[33]    Ibid., pp. 151-2.

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