Lange, Mises e Praxiologia: A Retirada do Marxismo

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Por Murray Rothbard

[Retirado de Economic Controversies, seç. 6, cap. 43]

A maioria dos economistas estão familiarizados com a polêmica possibilidade do cálculo econômico sob o socialismo, e com o fato de Ludwig von Mises e Oskar Lange terem sido os dois maiores protagonistas daquele debate.[1] Muitos também estão familiarizados com o sarcasmo de Lange que, por ter posto o problema que ele acreditava poder ser imediatamente resolvido, “uma estátua do professor Mises deveria ocupar um honrável lugar no grande salão do Ministério da Socialização ou no Conselho de Planejamento Central do estado socialista”.[2] À luz da rápida retirada do planejamento central socialista e rumo a um livre mercado no Leste Europeu nos últimos recentes, parece que a ironia de Lange pode muito bem ter se voltado contra ele.

Bem menos conhecido, entretanto, é uma retirada paralela da teoria econômica marxista nos últimos anos de Oskar Lange, uma retirada, além disso, que fez longos passos em direção a uma teoria econômica e metodologia de ninguém menos que seu velho oponente. A mais característica contribuição de Mises para a economia foi a elaboração da praxiologia, a lógica geral e formal da ação humana, da atividade humana propositada usando meios escassos para atingir os fins mais preferidos.[3] Como um importante economista polonês, Lange estava bastante familiarizado com as teorias praxiológicas do ilustre filósofo polonês contemporâneo, Tadeusz Kotarbinski. Enquanto a conceituação da praxiologia de Kotarbinski difere-se consideravelmente da de Mises, salientando as análises da ação eficiente bem como a hostil, eles se uniram em enfatizar a essência da praxiologia, assim como a teoria da ação racional.[4] Em seu trabalho final e póstumo, arquitetado como o primeiro de um tratado de múltiplos volumes sobre economia, Oskar Lange dedicou bastante tempo ao doloroso reconhecimento de que a economia precisa abranger a praxiologia bem como o marxismo. A particular ironia é que Lange dedicou boa parte de sua atenção para uma teoria econômica de seu velho rival antissocialista, rival que ainda permanece quase desconhecido no pensamento econômico ocidental convencional.

Lange intitulou o capítulo 5 de seu póstumo Political Economy, “The Principle of Economic Rationality: Political Economy and Praxeology”.[5] Ele começa o capítulo com a afirmação decididamente não marxista, mas praxiológica, de que a “atividade econômica humana é atividade consciente e propositada”, que “consiste na realização de fins dados pelo uso de certos meios”.[6] Ele procede apontando que a economia capitalista de mercado tinha não somente desenvolvido atividade lucrativa, mas também que essa atividade lucrativa é racional, quantificando os fins e os meios através do cálculo em termos monetários. Aqui Lange está implicitamente voltando à velha controvérsia do cálculo. O cálculo econômico tornado possível pelo dinheiro e pela invenção do double-entry bookkeeping (método das partidas dobradas) no mercado capitalista, permitiu a ação para a maximização do lucro e da renda monetários e assim para a concretização mais eficiente dos fins do homem. Dessa forma, a maximização do lucro sob o capitalismo é realizada seguindo o princípio econômico ou o princípio da racionalidade econômica, um princípio que possibilita o máximo grau da realização de seus fins por determinado dispêndio, bem como o dispêndio mínimo de meios para um dado grau de realização de seus fins. A primeira variante é o “princípio da maior eficiência”; a última, o “princípio de dispêndio mínimo, ou economia mínima, de meios”, ou custo mínimo.[7] O uso racional de meios, de acordo com esses critérios, é seu uso ótimo; Qualquer outro uso de meios Lange concorda em considerar um desperdício. Em defesa desses princípios econômicos, Lange cita o conceito praxiológico geral de Kotarbinski: “Quanto mais valioso for produto de uma dada experiência, mais produtivo é o comportamento; por outro lado, quanto menor for o dispêndio na conquista de um dado objetivo, mais econômico é o comportamento.”

Lange passa a prestar homenagem à maior conquista da economia de mercado capitalista na chegada do princípio econômico racional. Apesar da prevalecente racionalidade privada ao invés da “social”, e apesar de tais problemas como o ciclo econômico, Lange declara que

a racionalização da atividade econômica dentro do empreendedorismo capitalista, a prática de proceder de acordo com o princípio da racionalidade econômica, e especialmente a consciência desse princípio no pensamento humano, tudo constitui uma conquista de significância histórica […] em igualdade com o imponente avanço na técnica material feita dentro do modo de produção capitalista […] ele mesmo intimamente conectado com a aplicação do princípio da racionalidade econômica no empreendedorismo.[8]

Depois de afirmar superficialmente que o socialismo prosseguirá para expandir essa racionalidade para o planejamento social e para certas áreas de ação, como análises de input-output, tecnologia e estratégias ou táticas militares,[9] Lange passa a indentificar esse estudo dos princípios racionais da ação como praxiologia, a lógica da atividade racional, e os detalhes da história desse conceito. A partir de Mises, Lange descobriu que o termo “praxiologia” foi usado primeiro pelo historiador francês Alfred Espinas em 1890.[10] O primeiro trabalho explicitamente sobre praxiologia foi um artigo em 1926 pelo eminente economista russo Eugen Slutsky.[11]

Prosseguindo para o trabalho praxiológico mais desenvolvido de Kotarbinski, Lange critica o tratamento estreito e tecnológico do filósofo polonês do conceito como a ciência da atividade efetiva ou eficiente; em vez disso, observa Lange, a praxiologia é realmente uma “racionalidade metodológica” mais ampla, um fazer o seu melhor de acordo com o seu conhecimento, de modo que é melhor definir a praxiologia como a ciência da atividade racional. Ao optar por esse conceito mais amplo, mais formal e mais geral, Lange se distancia muito do Kotarbinski e se aproxima da formulação misesiana da teoria. A praxiologia, acrescenta Lange, engloba sob esta rubrica de atividade racional categorias como: fins e meios, método, ação, plano, eficiência e economia. Os princípios praxiológicos de comportamento compreendem as relações entre as categorias praxiológicas, e o princípio da racionalidade econômica (ou o “princípio econômico”) é um desses princípios praxiológicos de comportamento. Desta forma, Lange concorda com Mises que o próprio princípio econômico está embutido nos princípios praxiológicos mais amplos da ação humana geral. Além disso, ele concorda que os princípios praxiológicos foram até agora elaborados apenas no campo da economia, como afirma Mises, e na ética também.

Lange, no entanto, agora se encontrava à beira de uma posição precária: a tese de Mises de que a praxiologia até agora havia sido elaborada apenas na teoria econômica e que, portanto, a economia e a praxiologia, embora concebivelmente com escopos diferentes no futuro, agora são praticamente idênticas. Assumir tal posição significaria, para Lange, estar perto de se tornar um misesiano e um economista da Escola Austríaca. Afastando-se desse precipício, Lange se apressa em acrescentar que a praxiologia inclui não apenas a teoria econômica do tipo de Mises, mas também a teoria geral das decisões estatísticas, pesquisa operacional, de programar análises de input-output e cibernética. Lange parecia não perceber que, ao apressar-se em incluir essas disciplinas, juntamente com a teoria econômica, na rubrica da praxiologia, ele estava retornando ao conceito tecnológico muito diferente — a manipulação tecnológica de meios para alcançar um determinado fim — que Lange já havia rejeitado em Kotarbinski.[12] Lembrando-se repentinamente de prestar seus respeitos ao marxismo, Lange acrescenta como uma reflexão tardia que o materialismo dialético baseia parcialmente sua cognição no “princípio praxiológico” de proceder de acordo com o “critério da prática”.[13]

Dos princípios praxiológicos do comportamento, e especialmente dos princípios econômicos, acrescenta Lange, pode-se deduzir um considerável edifício de leis econômicas: como uma tentativa geral de maximizar o lucro e investir o capital na taxa de lucro mais alta, levando assim a uma tendência a uma taxa de lucro uniforme em toda a economia. Dessa forma, Lange aceita a metodologia misesiana dedutiva essencial para a teoria econômica: começando com princípios praxiológicos amplamente gerais como axiomas e a partir deles elaborando leis necessárias por dedução lógica. Enquanto Lange tenta qualificar este acordo afirmando que o teste empírico é necessário para ver se várias ações econômicas são “racionais” ou “usuais-tradicionais”, seu alinhamento básico com a metodologia misesiana ainda permanece.

Mais adiante no livro, Lange volta a lidar com a praxiologia por meio de uma crítica da teoria da utilidade subjetiva, um tópico que geralmente ocupa pouco ou nenhum espaço nas obras marxianas.[14] Ele começa com uma história da teoria do valor e da base da economia no século XIX que é perfeitamente aceitável para qualquer economista moderno: do clássico “homem econômico” ao utilitarismo e hedonismo benthamitas, à troca de serviços de Bastiat e à escola de utilidade marginal subjetiva. Este último começou com o hedonismo jevoniano e depois se desenvolveu na interpretação austríaca e praxiológica da utilidade não como “prazer”, mas como a realização do objetivo da atividade econômica de alguém, independentemente da natureza desse objetivo. O objetivo pode ser prazer, dinheiro, poder, saúde ou qualquer outra coisa; a visão austríaca simplesmente afirma que a atividade econômica tem algum objetivo, ou preferência, que forma o objetivo da ação. Como Lange conclui corretamente: “Nesta interpretação praxiológica, a tendência subjetivista deixa de lado todas as considerações psicológicas e se transforma em uma lógica de ‘escolha racional’ voltada para a maximização da preferência.”[15]

Lange procede então a uma história do desenvolvimento desta teoria formal e geral da utilidade como preferência ordinal. Ele vê que a Escola Austríaca (Menger, Wieser, Böhm-Bawerk) foi muito mais completa em sua aplicação da teoria da utilidade marginal subjetiva do que a atualmente muito mais influente Escola de Lausanne (Walras, Pareto) ou do que Alfred Marshall. Pois os austríacos aplicaram a teoria da utilidade marginal a todas as atividades lucrativas, enquanto os últimos a aplicaram apenas aos consumidores. Na visão austríaca e praxiológica, tanto o objetivo dos consumidores de maximizar a utilidade quanto o objetivo dos produtores de maximizar a renda ou o lucro monetários se enquadram na única rubrica de maximização de preferências e de utilidade marginal. A história de Lange aqui é deficiente em identificar parcialmente Pareto com a abordagem austríaca, enquanto negligencia totalmente o papel praxiológico do oponente italiano de Pareto, Benedetto Croce. Além disso, ele também negligencia a adoção de um conceito geral e puramente ordinal de utilidade marginal pelo economista tcheco da Escola Austríaca Franz Cuhel, e depois de Cuhel por Ludwig von Mises em 1912, muito antes do famoso artigo de Hicks e Allen de 1934.[16]

Lange está correto, no entanto, ao citar uma interpretação praxiológica da utilidade por Max Weber já em 1908, na qual Weber afirmava que a utilidade marginal deveria ser formulada, não em termos psicológicos como prazer, mas em categorias “pragmáticas” como fins e meios.[17]

Até agora, nosso marxiano estava disposto a seguir a economia praxiológica. Mas aqui Lange se deparou com um precipício ainda mais íngreme do que antes: pois, assim como era importante para ele negar que a praxiologia pudesse estar confinada à economia, era ainda mais importante para ele negar que toda a teoria econômica é um subconjunto da praxiologia. Pois se esse fosse realmente o caso, onde isso deixaria o marxismo? E assim Lange se separa da etapa final no desenvolvimento da economia praxiológica: a transformação da economia em um ramo da praxiologia. Separada agora dos objetos concretos, a análise econômica tornou-se uma ciência formal do comportamento racional, da maximização de grandezas. Inversamente, os aspectos formais de todo comportamento racional tornaram-se analisáveis pelo princípio econômico.[18]

Para esta transformação da economia em um ramo da praxiologia, Lange cita Lionel Robbins e sua conhecida descrição da economia como um certo aspecto de toda atividade, ou seja, a relação entre meios escassos e fins alternativos, e a escolha entre esses fins.[19] Ele também dedica atenção ao economista austríaco Hans Mayer e a Max Weber, que deram origem à distinção robbinsiana entre economia como a escolha entre fins e tecnologia como a escolha de meios para realizar um determinado fim.[20] Embora essa distinção seja um tanto simplista — negligenciando, por exemplo, o fato de que tanto as considerações econômicas quanto as tecnológicas entram até mesmo na escolha de meios para um único fim — Lange está incorreto ao afirmar que a distinção não tem sentido porque a hierarquia de fins alternativos é totalmente voltada para um fim principal: a maximização da utilidade. Lange não percebe que “utilidade”, para a escola praxiológica, não é uma coisa ou uma entidade em si, mas é simplesmente o rótulo colocado nas classificações de preferência que cada um faz entre seus vários fins. “Maximizar a utilidade” significa simplesmente o princípio formal de que um homem tenta realizar sua posição mais elevada, seu fim mais preferido, em vez de seu fim menos preferido.[21]

Lange então aponta que essa transformação da economia em um ramo da ciência universal da praxiologia culminou no Human Action de Ludwig von Mises em 1949. A economia política clássica foi agora totalmente transformada em uma teoria geral da ação humana, dos atos de escolha. A economia deixa de ser uma ciência empírica com fenômenos “reais”, mas uma lógica formal de escolha, onde o único critério de verdade é a concordância com os axiomas originais. A teoria econômica torna-se empiricamente verdadeira na medida em que qualquer ação concreta é regida pelo princípio econômico. Lange é particularmente crítico porque todas as leis da economia praxiológica e subjetiva são consideradas por Mises e os austríacos anteriores como aplicáveis ​​à economia de Crusoé, bem como à economia de troca. A hostilidade de Lange a esse “irrealismo” decorre precisamente do fato, como ele aponta, de que a aplicação à economia de Crusoé implica que as leis da economia são universais e apodíticas para todos os tempos e lugares, independentemente do conteúdo concreto das relações sociais ou da atividade econômica. Por meio da praxiologia, a economia, como as ciências naturais, transcendeu os dados concretos e mutáveis ​​da história e assumiu o caráter de uma ciência universal e apodítica. Como Lange caracteriza essa posição: “Relações sociais historicamente condicionadas podem influenciar a forma concreta em que essas leis se manifestam, mas não podem mudar seu caráter básico.”[22] Lange está disposto a conceder esse caráter universal e trans-histórico à praxiologia; ele não está disposto a admitir que a economia seja apenas um subconjunto da praxiologia e, portanto, assuma o mesmo caráter atemporal. Pois se fosse, o marxismo, com suas proclamadas leis de determinismo histórico, teria de ser completamente abandonado.

O método característico dos economistas praxiológicos ao desenvolver sua análise, aponta Lange, é começar com a economia de um Robinson Crusoé isolado, uma análise que elucida as leis básicas dos homens em relação às coisas. Então, outras pessoas são trazidas e as trocas entre esses indivíduos são explicadas como cada pessoa escolhendo desistir de algo que deseja menos para obter algo que deseja mais. As trocas tornam-se assim o resultado das atitudes e preferências subjetivas dos indivíduos participantes. Lange reclama que esse processo de começar com o homem vis-à-vis a natureza é o oposto da concepção marxiana, que se concentra nas “relações econômicas entre os homens — relações de produção e relações de distribuição”. Ele ainda cita o marxista Rudolf Hilferding, em sua acusação de que a economia da Escola Austríaca de Böhm-Bawerk

toma como ponto de partida de seu sistema a relação individual do homem com as coisas. Concebe as relações do ponto de vista psicológico, como sujeitas a leis naturais invariáveis; exclui relações de produção socialmente determinadas, e […] o desenvolvimento do processo econômico de acordo com leis definidas é totalmente estranho a ela.[23]

Isso, com certeza, é a liquidação da “economia política” clássica.

Mas enquanto Lange acusa a economia subjetivista de ignorar as relações econômicas reais entre os homens, ele também afirma corretamente que esta escola de pensamento trata as categorias econômicas do capitalismo “como categorias praxiológicas gerais, categorias de atividade humana racional”.[24] Salários, capital, lucro tornam-se categorias universais independentes da formação histórica da sociedade e, portanto, o capitalismo torna-se uma exigência universal da atividade econômica racional. Lange vê que isso leva ao cerne da controvérsia do cálculo de Mises-Lange sobre se a atividade econômica racional requer a propriedade privada dos meios de produção.[25] Mas então Lange dificilmente pode estar correto ao afirmar que a economia praxiológica ignora relações sociais e econômicas concretas; pelo contrário, sua verdadeira reclamação é que dessas leis econômicas abstratas e universais pode ser deduzida a própria real necessidade do capitalismo de mercado para sustentar uma economia racional.

Assim, embora Lange esteja disposto a admitir a universalidade do princípio econômico e a conquista da economia subjetivista ao descobrir uma praxiologia que pode ser aplicada à economia política e a outros campos, ele obviamente não está disposto a admitir que a economia seja exclusivamente praxiológica. O restante da discussão de Lange é uma tentativa insatisfatória de delinear o que o marxismo ou qualquer outra teoria econômica pode acrescentar à praxiologia na formação da economia. Ele menciona discussões institucionais sobre a organização social da produção, do Estado, do trabalho, da renda nacional e assim por diante, mas a questão sem resposta é o papel dessas categorias na teoria econômica em comparação com um acúmulo de dados institucionais aos quais essa teoria pode ser aplicada. Lange também cita com aprovação o ataque à subjetivista Escola Austríaca pelo economista polonês Stanislaw Brzozowski, que acusou os austríacos de meramente analisarem as relações entre o homem e coisas dadas e compreenderem uma teoria do consumo em vez de uma “teoria completa da sociedade”. Em primeiro lugar, isso contradiz o insight anterior de Lange de que os austríacos, em contraste com Marshall e a Escola de Lausanne, estenderam sua análise subjetivista do consumo para a produção e os fatores produtivos; as “coisas dadas” constituíam apenas o primeiro passo em sua análise completa. Em segundo lugar, por que deveria ser um defeito da economia praxiológica não oferecer uma “teoria completa da sociedade”? A física deve ser condenada porque não é química? Uma teoria completa e correta da sociedade foi oferecida por qualquer esfera da economia ou ciência social?

Lange procede a tentativas indignas e um tanto absurdas de submeter os economistas da Escola Austríaca a uma “sociologia do conhecimento” marxista. A Escola Austríaca, afirma ele, é a economia dos aposentados e dos funcionários da administração fiscal, porque discute apenas o consumo e não a produção, e Nikolai Bukharin é citado afirmando que a Escola Austríaca, com sua concentração no consumo, é a “economia política do rentista”.[26] Isso não apenas contradiz a concessão anterior do próprio Lange à integração austríaca de produção e consumo, mas também nos deixa com o enigma de como “explicar” uma economia orientada para o consumo como a de John A. Hobson ou J.M. Keynes. Eles também devem ser descartados como “rentistas”, mesmo o Keynes que pediu a “eutanásia” dessa mesma classe? A segunda tentativa de Lange é “explicar” a metodologia abstrata e irrealista austríaca como produto da profissionalização da economia nas universidades no final do século XIX, que a partir daí se desenvolveu em “isolamento do processo produtivo”.[27] Mas, embora os primeiros economistas clássicos possam não ter sido tão profissionalizados, eles também não eram — com exceção de Ricardo — homens de negócios e, portanto, eram igualmente “cortados” do processo produtivo. Nem o professor universitário Adam Smith nem o funcionário público Mill estavam mais próximos do processo produtivo do que Menger ou Böhm-Bawerk. Além disso, um pouco mais adiante no livro, Lange se vira e saúda a profissionalização de toda a pesquisa científica no século passado como levando a uma autonomia da ciência, a uma atitude crítica em relação ao sistema social e a uma ciência que “se torna independente do meio social que produz” ela.[28]

Lange declara que, como a burguesia precisava saber o que realmente estava acontecendo na economia, ela não poderia seguir completamente o caminho austríaco de liquidar a economia política. Portanto, os neoclássicos anglo-americanos mais “realistas” continuaram a estudar problemas econômicos importantes como dinheiro, ciclos econômicos, crescimento e comércio internacional. O que Lange ignora aqui é que os subjetivistas austríacos estudaram e chegaram a uma posição sobre todas essas questões importantes, de modo que o que ele vê como seu “isolamento” abstrato se aplica apenas às leis fundamentais e não aos ramos mais desenvolvidos e aplicados da teoria. Basta mencionar a teoria do “malinvestiment monetário” de Mises-Hayek do ciclo econômico para ver como a economia praxiológica tem sido aplicada a problemas econômicos vitais e realistas. O problema, porém, é que Lange não pode estar muito satisfeito com as conclusões políticas dos austríacos nessas áreas: dinheiro ultraduro, padrão-ouro, capitalismo laissez-faire. Novamente, o problema não é tanto a relevância do método quanto o tipo de conclusões que são obtidas.

A notável adoção de Lange da praxiologia misesiana como a principal base para a economia, na qual as abordagens marxistas e outras foram enxertadas às pressas, encontrou reações previsivelmente mistas nos círculos marxianos. O mais impressionante foi a crítica elogiosa de Lange por Ronald Meek, o distinto historiador inglês do pensamento econômico.[29]

O professor Meek, resumindo o longo capítulo de Lange sobre o “Princípio da Racionalidade Econômica”, observa que “significativamente, as referências à obra de Marx tornam-se puramente incidentais”.[30] Meek considera “interessante e paradoxal” que a praxiologia, que “agora se tornou um complemento indispensável da economia marxiana”, tenha sido a culminação de uma tendência subjetivista violentamente antimarxista na economia “burguesa”.[31] O paradoxo pode muito bem ser colocado ao contrário: o de um importante economista marxiano adotando a economia de seus próprios oponentes e dos principais oponentes do marxismo e então tentando desesperadamente insistir que ainda há espaço para abordagens marxistas e institucionais na rubrica mais ampla da economia política.

Para os “fundamentalistas” marxianos, por outro lado, o movimento de Lange-Meek é visto pelo que genuinamente é: uma massiva retirada “revisionista” do marxismo. Em sua resenha de Meek, Ben Brewster escreve desesperadamente:

pois se as relações de produção são um princípio geral que rege a sociedade, este se torna meramente a totalidade da interação social humana; não há nenhuma especificidade do nível econômico e a distinção entre base e superestrutura se desfaz. O resultado é que, no último ensaio do livro (o ensaio do título), Meek aparentemente cai no princípio mais geral da sociedade e na ideologia mais burguesa de todas, a “Praxiologia” de von Mises (o princípio de toda ação racional) na tentativa puramente ideológica de Lange de enxertar a economia marxista e neoclássica.[32]

E assim, à medida que o pensamento econômico marxiano se junta às economias reais da Europa Oriental em uma fuga precipitada do marxismo e do planejamento central socialista para modos ocidentais e capitalistas de pensamento e sistemas econômicos, a ironia original de Oskar Lange está realmente começando a voltar contra ele. Talvez a economia capitalista de livre mercado de uma futura Polônia erga uma estátua de Lange ao lado do monumento ao seu antigo antagonista?


[1] Veja Ludwig von Mises, Socialism (New Haven: Yale University Press, 1951); F.A. Hayek, ed., Collectivist Economic Planning (London: George Routledge and Sons, 1935); e Oskar Lange e Fred M. Taylor, On the Economic Theory of Socialism (Nova York: McGraw-Hill, 1964). Para um resumo e crítica da polêmica, veja Trygve J.B. Hoff, Economic Calculation in the Socialist Society (Londres: William Hodge and Co., 1949).

[2] Lange e Taylor, On the Economic Theory of Socialism, pp. 57-58

[3] Veja particularmente Ludwig von Mises, Human Action (New  Haven: Yale University Press, 1949).

Para uma discussão sobre a praxiologia de Mises e sua relação com as prévias metodologias econômicas, veja Israel M. Kirzner, The Economic Point of View (Princeton, N.J.: D. Van Nostrand, 1960).

[4] Para Mises sobre Kotarbinski, veja Ludwig von Mises, The Ultimate Foundation of Economic Science (Princeton, N.J.: D. Van Nostrand, 1962), pp. 42, 135. O mais acessível dentre os escritos de Kotarbinski é o “Idée de la methodologie genérale praxeologic”, Travaux du IXe Congres International de Philosophie (Paris, 1937), vol. 4, 190-94.

[5] Oskar Lange, Political Economy (Nova York: Macmillan, 1963).

[6] Ibid., p. 148.

[7] Lange explicitamente aceitou que o conceito moderno de que o fim último não é cardinal ou quantificável aqui, mas sim um conjunto ordenado e ordinal de preferências. Ibid., pp. 167-68.

[8] Ibid., p. 176.

[9] O trabalho inicial de Kotarbinski foi sobre a praxiologia aplicada à teoria da ação hostil. Veja Mises, Ultimate Foundation, pp. 42, 135.

[10] No artigo de Espinas, “Les Origines de la technologie”, Revue philosophique, 15º ano (julho-dezembro de 1890), pp. 114-15, e em seu livro com o mesmo título, publicado em Paris, no ano de 1897. Veja Mises, Human Action, p. 3n.

[11] Eugen Slutsky, “Ein Betrag zur formal-praxeologischen Grundlegung der Ökonomik”, em Annales de la classe des sciences sociales-economiques (Kiev, Académie Oukranienne des Sciences, 1926), vol. 4.

[12] Sobre os princípios econômicos vs. os tecnológicos, veja Lionel Robbins, The Nature and

Significance of Economic Science (Londres: Macmillan, 1935), um trabalho fortemente sob a influência de Mises, Richard Strigl e outros da Escola Austríaca; e Kirzner, The Economic Point of View, pp. 108-45. Também veja Rutledge Vining, Economics in the United States of America (Paris: UNESCO, 1956), pp. 1-37.

[13] Lange, Political Economy, p. 190n.

[14] Ibid., pp. 229ff.

[15] Ibid., p. 236.

[16] A contribuição praxiológica de Croce para a economia pode ser encontrada em seu fascinante debate com o positivista Pareto sobre metodologia econômica, escrito em 1900 e 1901. Veja Benedetto Croce, “On the Economic Principle”, em International Economic Papers 3 (1953): 172-79, 197-202. Para uma apreciação do trabalho de Croce, veja Giorgio Tagliacozzo, “Croce and the Nature of Economic Science”, Quarterly Journal of Economics (maio de 1945), e Kirzner, Economic Point of View,pp. 155ff.

A maior contribuição de Cuhel foi seu Zur Lehre von der Bedürfnissen (Innsbruck, Wagner Universitäts-Buchhandlung, 1907). Sobre Cuhel, veja Eugen von Böhm-Bawerk, Capital and Interest, 3 vols. (South Holland, Ill.: Libertarian Press, 1959), vol. 2, pp. 191, 193-94, 423, 431-32; vol. 3, pp. 124-36, 232-33. O desenvolvimento de Čuhel por Mises está no seu Theory of Money and Credit (New Haven, Conn.: Yale University Press, 1953), pp. 38ff.

[17] Max Weber, “Die Grenznutzlehre und das ‘psychophysische Grundgesetz’”, Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre, 2ª ed., (Tübingen, J.C.B. Mohr, 1951), pp. 364ff. Sobre o artigo de Weber, veja Emil Kauder, A History of Marginal Utility Theory (Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1965), pp. 116-17 136-37.

[18] Lange, Political Economy, p. 237.

[19] Robbins, The Nature and Significance of Economic Science. Sobre a relação entre as visões de Robbins e Mises sobre a natureza da economia, que, no entanto, subestima muito suas semelhanças, veja Kirzner, Economic Point of View,  pp. 108-86. Agrupando-os mais proximamente é Ludwig M. Lachmann, “The Science of Human Action”, Economica (novembro de 1951): 413.

[20] Hans Mayer, “Untersuchungen zu dem Grundgesetz der wirtschaftlichen Wertrechnung”, Zeitschrift für Volkswirtschaft und Sozialpolitik (Viena: Franz Deutsche, 1921), vol. 2, p. 5; Max Weber, Theory of Social and Economic Organization (Nova York: Oxford University Press, 1947), pp. 162, 209. Para uma crítica das opiniões de Weber sobre a metodologia econômica, veja Ludwig von Mises, Epistemological Problems of Economics (Princeton, N.J.: D. Van Nostrand, 1960), pp. 74-106. Sobre Mayer, veja Kauder, A History of Marginal Utility Theory, pp. 107ff.

[21] Kirzner cai no mesmo erro. Kirzner, Economic Point of View, p.134

[22] Lange, Political Economy, p. 242.

[23] Para uma tradução ligeiramente diferente desta passagem, veja Paul M. Sweezy, Böhm-Bawerk’s Criticism of Marx, em Rudolf Hilferding, eds. (Nova York: Augustus M. Kelley, 1949), p. 196.

[24] Lange, Political Economy, p. 298.

[25] Ibid., p. 298n.

[26] Lange, Political Economy, pp. 300ff. O próprio Lange é um pouco duvidoso nesse ponto, já que o capitalismo na Áustria não era tão desenvolvido quanto nos outros países ocidentais, onde a economia subjetivista e praxiológica não se consolidou.

[27] Ibid., pp. 301–02.

[28] Ibid., pp. 314ff.

[29] Ronald L. Meek, Economics and Ideology and Other Essays (Londres: Chapman and Hall, 1967), pp. 216ff.

[30] Ibid., p. 216.

[31] Ibid., p. 218.

[32] B.B. (Ben Brewster), “Review of Ronald L. Meek, Economics and Ideology and Other Essays”, New Left Review (novembro-dezembro de 1967): 90

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